domingo, 22 de novembro de 2015

I hate to say I told you so

Podem continuar a alimentar o Joly como se ele fosse um ganso para foie gras: não vai crescer. Esqueçam. E qual é o problema? O problema é que já no fim de Julho dava para perceber que Rui Vitória era um enormíssimo erro de casting. Rui Vitória não precisa de tempo; Rui Vitória precisa de uma nova profissão. Em Julho o carro parou na linha de comboio e a maior parte, vendo o comboio a aproximar-se a alta velocidade, em vez de fugir dali, em vez de mudar de planos, em vez de emendar o erro, dizia eu que a maior parte exclamou "esperem, vamos ver no que isto dá". Agora que o comboio vai passando lentamente sobre todos nós, gostava de vos deixar uma pergunta: valeu a pena?

sábado, 31 de outubro de 2015

Constatação simples

Há um bando de tipos talentosos e pontualmente inspirados que nos engana. O Benfica não ganha jogos, o Benfica limita-se a confirmar desfechos inevitáveis. O mais doloroso no meio de tudo isto é que não senti pena dos adeptos do Tondela - merecedores de todo o orgulho que possam ter sentido por terem defrontado o Benfica num jogo da primeira liga; senti antes pena de todos os benfiquistas que possam ter sentido alegria nesta vitória robustinha num jogo absolutamente miserável contra uma equipa cuja existência se desenrola numa realidade paralela, num universo muito abaixo do nosso padrão de exigência e de competência.

Não estou a perseguir Rui Vitória. Dispensam-se perseguições pessoais. A única coisa que persigo é a necessidade de excelência - porque é do Benfica que se trata; porque me habituei a tê-la com regularidade. Aquilo que vejo varia entre o medíocre inspirado e sem oposição e a esperança numa inspiração que é rapidamente aniquilada pela competência científica de quem sabe compreender, programar e concretizar o jogo de futebol. No meio existirão nuances - derrotas curtas, derrotas embaraçosas, empates patéticos e vitórias quase sempre gordas contra adversários necessariamente débeis.

É com tristeza que o escrevo: este Benfica não dá para mais. E pensar no episódio de Madrid como exemplo é acreditar que a excepção sortuda algum dia fará jurisprudência e, assim, se tornará regra. Desenganem-se. O jogo de hoje foi embaraçoso de tão mal jogado. Não estou a ser pessimista nem do contra, estou apenas a experimentar a sensação de ver a bola enquanto vejo o Benfica jogar. E não é bonito.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Incidente de trabalho

Ele há coincidências. Soube do sorteio da Taça de Portugal quando estava a escrever o texto que se segue para um próximo trabalho:

"O primeiro derby lisboeta foi disputado a 1 de Dezembro de 1907. O Sporting venceu por 2 – 1, nem eles sabem como. Este derby selou definitivamente uma rivalidade que nascera meses antes, quando os riquinhos manhosos do Sporting haviam aliciado vários jogadores do Benfica – oito desses peseteros miseráveis de merda mudaram-se mesmo para o Sporting.

-Desde 1907, realizaram-se 295 jogos oficiais entre os dois clubes. O Benfica ganhou a maior parte deles, o Sporting ganhou alguns mas com sorte e com aquelas ajudas e ainda houve 61 empates, porque de vez em quando as equipas empatam, mesmo quando são de categorias muito distintas. O Benfica marcou 505 golaços e o Sporting teve sorte pouco mais de 400 vezes.

-Para o campeonato nacional, disputaram-se 161 jogos. O Benfica ganhou quase todos, o Sporting nem chegou aos 50 e houve 41 empates.

[ESTES NÚMEROS TÊM DE SER ACTUALIZADOS DOMINGO CERCA DAS 19.00]"

segunda-feira, 19 de outubro de 2015

Em busca do Zen

A minha samana de derby começou muito mal. Fiquei sem meias, por causa da chuva. Choveu tanto que nem deu para lavar e estender roupa. Então só me sobraram daquelas peúgas anãs que não chegam nem ao tornozelo. Os soquetes, como se diz no Brasil. E estes já são velhotes, o elástico perdeu a força. Então vim trabalhar com metade dos soquetes debaixo dos calcanhares, tudo enrolado dentro das sapatilhas. A primeira coisa que fiz quando cheguei ao trabalho foi descalçar-me e puxar as mini-peúgas para cima.

Eu levo estas coisas a sério. Para a maioria, pode parecer ridículo ou sem importância. Mas eu acho pouco digno. Começar um derby desconfortável dos pés não é o melhor dos presságios. Naturalmente, estou agitado. Não vai ser fácil dormir com tranquilidade até domingo. Parece que há jogo da Champions a meio da semana. O ideal seria enviar a equipa B para a Turquia e poupar os titulares para domingo.

Há uma semana acordei - isto é tão verdade que quase sinto vergonha - com um grito. Um grito meu. Acordei a berrar "caralho pró Sporing!" e fiquei assustado com o sobressalto, com o próprio grito e com o conteúdo do grito. E depois lembrei-me do sonho: o Benfica perdia um a zero, outra vez, e aparecia uma retrospectiva na televisão "desde que Jorge Jesus chegou ao Sporting, o clube de Alvalade bateu sempre o seu rival por um a zero".

Estou inquieto. Apreensivo estava na sexta-feira, antes de o Jardel marcar aquele golo à campeão. Agora estou muito pior. E pior ainda é que acho que estas premonições estão todas erradas e vamos ganhar à antiga. Isso dá-me esperança. E ter esperança é uma enormíssima merda. O melhor antes de um grande jogo é não querer nada e não pensar em nada, é transformarmo-nos num receptáculo cósmico onde tudo cabe e tudo se digere.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Do maravilhoso imprevisível

Se há coisa que um dia posso vir a agradecer a Rui Vitória é a devolução do futebolismo ao futebol do Benfica. Não, ainda não estou na fase de dar palmadinhas nas costas do nosso treinador. Quando chegar o dia - se esse dia chegar - de engolir os sapos por tudo o que penso, disse e escrevi sobre Vitória, sugiro que troquem os tais sapos por pernas de rã (e então abro uma garrafa de champgne sério e caro e atiro-me ao castigo com a gula do perdedor que, no fim das contas, saiu claramente a ganhar).

Mas não chegámos tão longe, o nosso caminho ainda é curto. Estou a falar de futebolismo. Ontem, respondendo a várias solicitações do tipo "então e logo?", reagi com a ingenuidade legítima de quem não faz ideia do que pensar sobre "logo". E é a recuperação desse lado místico e indecifrável que eu poderei um dia agradecer a Rui Vitória.

O passado recente habituou-me a sistemas lógicos em que o Benfica ganhava uma enormíssima percentagem dos jogos que tinha que ganhar e em que nunca conseguia contrariar as probabilidades e desfazer as derrotas que se adivinhavam no horizonte. O futuro era simples, as previsões eram fáceis: se era de ganhar, ganhávamos quase sempre; se era de perder, perdíamos sem oscilações ou sobressaltos. O Benfica era científico, metódico e rigoroso, concretizava expectativas sem espaço para devaneios, variações ou exuberâncias. E agora tudo mudou.

Bem sei que escrever a posteriori soa sempre a prognóstico de João Pinto. Mas acreditem que não é o caso. Tive esta conversa várias vezes ao longo do dia de ontem. Não sei muito bem onde está o segredo esotérico de tudo isto (porém, alguma coisa há-de estar bem feita, concedo). Mas eu ontem acreditava que era possível - embora altamente improvável - ganhar ao Atlético de Madrid. Porquê? Sei lá. Porque às vezes acontecem coisas.

Não estou com cabeça para explicar muito melhor o que quero dizer. Passei uma manhã nas finanças a tentar perceber como funciona isso do IVA e, antes disso, fiquei uma hora à espera do metro na Linha Azul - até que desisti e pedi o livro de reclamações, enfim, passei uma manhã entre a indignação, a incompreensão e a sensação de estar a ser profundamente injustiçado pelo mundo. Felizmente, levava comigo A Bola e, a cada contrariedade, respondia com uma espreitadela à capa, com Jonas e Gaitán à solta, em festejos.

No fundo, encanta-me esta dimensão em que o Benfica não cria expectativas mas permite ter esperanças legítimas. Não saber o que esperar é muito melhor do que ter exactamente aquilo que se espera, a toda a hora. Percebo agora que tinha, por pudor e excesso de realismo, censurado os meus desejos Benfiquistas. Andava aqui só a ser espectador. Tinha as minhas superstições, claro, calçava as sapatilhas certas, enfiava as meias certas, levava o casaco certo, bebia a cerveja certa - tudo para que nada falhasse. Mas sabia que era a ciência quem mandava, permitia e explicava tudo o que acabava por acontecer. Hoje sinto-me mais livre. Permito-me certos optimismos e tudo. Porque não? A ideia é desfrutar. Às vezes, isto é tudo tão bonito.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Um assunto melhor que os outros

Tenho pensado muito no assunto. Começas a sentir-te mais velho e apetece-te fechar o punho e pousar sobre ele o queixo pesado, ficar assim longamente pensativo. A gente chega a uma altura em que tem de parar e perguntar "mas afinal o que é que aconteceu aqui?". O que é que aconteceu comigo, claro. Presumimos que a vida falhou, sabemos que qualquer coisa não correu bem, nem tudo é como esperávamos. Mas precisamos de saber como, queremos saber porquê.

Eu era medíocre, sempre fui e nem o meu complexo de messias impediu que, nas horas lúcidas, eu soubesse que não dava mais do que aquilo. Disfarçava esse estado com arrancadas diabólicas, picos de velocidade admiráveis e um ou outro golo apontados, na maioria das vezes, em estados que hoje me parecem uma espécie de transe - não guardo nenhuma memória clara de um golo que tenha marcado em jogos a sério; tudo o que me ficou são reconstituições coladas com o cuspe dos comentários alheios - do meu pai, do meu avô, do treinador, dos companheiros de equipa - e um ou outro flash muito tremido e desfocado do momento em que inusitadamente fiz com que a bola entrasse na baliza adversária. Os golos que marquei - felizmente não foram muitos - são o mais próximo que experimentei da levitação extracorporal: são fragmentos de um limbo entre o real e a fantasia que aconteceram, sem qualquer explicação, mais ou menos comigo ou com uma entidade fantástica da qual eu, naquele momento, participava.

Porém, a mediocridade, quando bem disfarçada, pode levar longe uma pessoa determinada e perseverante. Eu era convicto e cheio de sonhos. E acreditava profundamente que esses sonhos haveriam de realizar-se embora não encontrasse uma explicação lógica e razoável para conseguir demonstrar a mim próprio que sim, que era possível e que havia de acontecer num momento específico devido a qualquer coisa. Agora que reflicto sem pressas, penso que essa qualquer coisa talvez fosse um fenómeno aparentado a milagre que me permitisse, de um dia para o outro, passar a ser talentoso num campo de futebol. Esse fenómeno nunca aconteceu ou, então, esse dia ainda está para vir. Em todo o caso, temo que já seja demasiado tarde para eu ser abençoado com genialidade - e prefiro mesmo continuar tosco até ao fim dos dias, recuso peremptoriamente a possibilidade de um dia ser o Maradona da ala geriátrica.

Acho que o que me falhou foi a inadequação das expectativas. O pragmatismo que me falta em praticamente tudo na vida sobrava-me na maneira como encarava a minha futura carreira de futebolista: ia jogar no Torreense, para começar, e a seguir ia ser o número 7 do Benfica. O plano era bastante simples. Aliás, tão simples que nem sei como é possível ter falhado.

Dava comigo a imaginar o Estádio da Luz cheio - às vezes era domingo à tarde e jogávamos com o Espinho ou com o Chaves, outras vezes era quarta-feira à noite e recebíamos equipas como o Steaua de Bucareste ou o Malines -, a relva cortada curta e aparada em desenhos vistosos para quem estivesse a ver do Terceiro Anel, as redes penduradas, não muito esticadas, à espera daquele barulhinho fofo e demorado de quando a bola desliza a roçar-se nelas, o som macio dos chutos dados por adidas world cup em bolas da select. Mas a relva, a relva curta e bem tratada era o elemento fundamental. A relva muda tudo. Num pelado, o melhor que uma pessoa conseguia era dar pontapés à bola. Na relva era diferente. A bola tornava-se dócil e muito mais arredondada. Os meus pés, definitivamente ergonómicos, perfeitamente adequados à curva infinita daquele objecto fundamental, lidavam com o assunto como se eu calçasse pantufas. A relva suaviza o som de todas as coisas - a correria, as passadas fortes, os saltos, as quedas, os passes, as recepções. O jogo passa a ser sereno. Na relva não há lugar para coisas como o desespero porque desesperar num relvado seria uma enormíssima falta de respeito pelo chão que se pisa.

Joguei na relva do Campo Manuel Marques - o melhor relvado que alguma vez tive a sorte de pisar - numa única ocasião. Entrei na segunda parte e marquei um golo de pé esquerdo num pontapé de moinho à entrada da área. Foi este jogador - um prodígio de talento, um caprichoso esteta - que o futebol perdeu quando decidiu insistir que eu andasse por aí, de pelado em pelado, a tentar perceber os ressaltos de bolas mikasa em São João da Talha, na Póvoa de Santa Iria, em Alhandra, na Lourinhã, nos Olivais Sul ou em Alcabideche. Eu só precisava de mais relva e de outro glamour. Levantar-me cedo aos domingos para me ir equipar em cabines que eram pouco mais que barracas em terras mal semeadas entre os subúrbios de Lisboa e a província da Estremadura não era o meu sonho. O meu sonho nunca foi simplesmente jogar futebol; o que eu queria era jogar futebol em relvados bonitos. E foi isso que falhou.

terça-feira, 8 de setembro de 2015

Comprovativo de reclamação porque ando um bocado farto disto

Caros senhores,

estou muito desapontado com o serviço prestado pelo Benfica aos seus sócios. Começo por sublinhar que preferia falar-vos usando outros termos, recorrendo a outra terminologia, não falar em "serviços prestados" - preferia falar em "família Benfiquista" ou no "meu Clube", por aí fora. Infelizmente, o Benfica tem vindo cada vez mais a tratar os seus sócios e adeptos como clientes e não como membros de uma gigantesca família. Não foi assim que nasci e cresci no Benfica, mas é a realidade que me apresentam. Contrariado, adapto-me: sou vosso cliente, negócio fechado.

Agora, enquanto vosso cliente, tenho algumas exigências a fazer. Por exemplo, exijo-vos que não sejam ridículos, que não me enviem mensagens de "feliz aniversário" com um mês de antecedência - são detalhes, eu sei, mas é o meu aniversário e não gosto. Faço anos todos os anos contra a minha vontade. Agradeço que, no mínimo, respeitem a data em que se arredonda o castigo que o tempo me inflige.

Tudo isto é um disparate porque é, como disse, ridículo. E também não gosto que me ofereçam como prenda de anos uma entrada gratuita no Museu Cosme Damião, à qual eu já tenho direito por ser sócio com as quotas em dia e ter redpass. Isso não é uma prenda. Isso é uma imbecilidade - eu entro no Museu quantas vezes quiser, não preciso de fazer anos e não preciso que me convidem e não preciso de pagar entrada.

Mas há coisas que me ofendem mais ainda. Ofende-me que me enviem um e-mail com as condições de aquisição do "pack Liga dos Campeões" e, na véspera de terminar o prazo, mudem as condições: de repente, deixei de poder pagar até dia 8 e tinha de pagar até dia 7. Isto o que é? Uma forma de pressão? Vamos esclarecer uma coisa: se o Benfica me vende tão orgulhosamente "produtos" e me presta tão empresarialmente "serviços", o assunto muda de figura. As condições do nosso negócio não se alteram só porque vos apetece. O Benfica não é o clube lá da aldeia em que o presidente de repente muda de ideias e, afinal, as rifas da quermesse para sortear a bola da Mikasa já não são a 50 cêntimos, passa a oitenta - e o sorteio não se faz ao intervalo, passa tudo para o fim do jogo, pode ser que se vendam mais algumas. Não podemos ser amigos e compreensivos e adeptos fervorosos para umas coisas e clientes tratados a frio, pagadores correntes e gente que financia um negócio para outras coisas. Tem de haver coerência. Tem de haver cuidado. E tem de haver respeito, quer eu seja vosso cliente ou vosso sócio.

Espero que compreendam uma coisa: eu nem tenho o hábito de reclamar, mesmo depois de alguns anos a pagar lugar cativo sem receber nada em troca e a ver o Benfica oferecer ao adepto de ocasião todas as formas de boas-vindas, bilhetes gratuitos, foguetes e medalhas. Eu vou ao Estádio com o maior dos gostos e não preciso que me seduzam para fazê-lo. É lá que gosto de estar. Mas quando recebo a inenarrável mensagem a cobrar-me por uma nova emissão do cartão de sócio, naturalmente fico nervoso. Estão mesmo a falar a sério? Vão-me cobrar cinco euros por um novo cartão de sócio? A seguir temos o quê, o Benfica manda-me os dados e eu próprio vou imprimir o redpass? Isto serve para quê? Para pagar à equipa de escuteiros nonagenários que demoraram quatro ou cinco meses a contar os papelinhos onde estavam anotados os nomes dos sócios? Por favor, não me envergonhem.

Saudações Benfiquistas,

quinta-feira, 27 de agosto de 2015

Trinta e seis

E então acordei e já não acreditava. É estranho: passas a vida a alimentar uma miragem e ela, que teima em não ganhar formas concretas, em não se concretizar, vai-se esvaziando como um balão sonolento, devagarinho, até que fica irremediavelmente murcha. Olho para o espelho e já não sou novo. O puto que andava a correr atrás da bola no largo do pelourinho, à frente da velha cadeia, é uma espécie de primo longínquo, muito mais novo que eu, de quem guardo boas recordações. Que terá ele feito da vida, pergunto-me às vezes.

Um bocadinho mais crescido, ia jogar para o campo do Mafra. Na altura os portões não se fechavam, aquilo era pouco mais que um clube de aldeia - duas dezenas de adeptos, um barracão a fazer de bar onde se vendiam as bifanas, os amendoins e a coca-cola (mais tarde vim a saber que também vendiam cerveja), uns balneários quase decentes, cabines de suplentes muito dignas, em pedra, porém pequeninas, uns eucaliptos enormes por trás da baliza poente e era nessa baliza, eternamente à sombra, que eu marcava penaltys com uma bola do Benfica (às vezes ia sozinho). Depois joguei mesmo no Mafra, com equipamento e tudo. E botas de futebol que a minha mãe engraxava com brio e com esperança. Tínhamos sonhos.

Porque eu depois ia jogar no Benfica. O plano era muito simples. Consistia em ir jogando à bola até que chegasse o dia em que o Benfica se apercebia do meu talento e então o Benfica mandava uma equipa de pessoas que chegavam, mandavam parar tudo e diziam ao meu pai "senhor Urbano, vamos levar o seu filho. Precisamos muito dele. Obrigado por tudo". A minha mãe fazia-me um lanchinho à pressa e passava-me a mochila com uma ou duas mudas de roupa e o chefe da equipa de pessoas dizia "não se preocupe com equipamento que temos lá tudo". E lá ia eu. A minha missão era livrar o mundo do poderoso Milão repondo a ordem natural das coisas com o Benfica no topo, acima de todos.

E eu fui tentando cumprir o plano, cada vez com mais esforço mas sempre carregadinho de esperança, uma esperança inabalável, como se tudo no universo, no tempo e na minha existência tivesse um destino óbvio: vestir aquela camisola 7, fazer a ala toda, encher o campo com cruzamentos milimétricos, passes de morte rasteirinhos e diagonais diabólicas.

A dada altura, apercebendo-me de que o Benfica demorava a aperceber-se de mim, tendo eu contas para pagar e um futuro urgente por resolver, decidi fazer uma pausa. Não era abandonar o futebol. Era apenas descansar. Apanhar ar, refrescar, ganhar balanço para um dia mais tarde reiniciar tudo, reentrar em campo - sempre com o pé direito (nunca me benzi, sempre achei ofensivo andar a chamar deus para um assunto de homens; nunca quis intromissões nem batotas, sempre fiz jogo limpo; nunca levei um amarelo na vida) -, levantar finalmente o Estádio com um golo de bandeira, um pontapé de fora da área capaz de fazer o Rui Costa comover-se. Eventualmente, ser campeão europeu como José Águas. A toda a hora ser digno de tudo o que se herda quando se enverga a mais bela das camisolas.

Mas hoje acordei e o Benfica ainda não tinha mandado uma equipa de especialistas em grandes jogadores do futuro e nos jornais ainda não tinha vindo escrito sobre mim que era "o prodígio escondido" ou "o génio esquecido" ou "um talento por revelar", pelo que perdi definitivamente a esperança. E eu estou velho. Hoje acordei e estava mais velho que Pablo Aimar. Nunca vou jogar no Benfica.

domingo, 23 de agosto de 2015

Acho que me enganei quando pensei que, afinal, me tinha enganado

Não se preocupem que ele cresce. Dêem-lhe tempo. Para a semana ganhamos 4-0 outra vez e havemos de ir assim por aí fora, de cruzamento em cruzamento, goleada-sim, goleada-não, derrota-sim, derrota-não, vergonha-sim, vergonha-não, de pontapé para a frente em pontapé para a frente, a meter muitos avançados, todos os que for possível, comprar dezenas de avançados e meter lá pelo menos uns dez ou onze, para irem para lá fazer tiro ao boneco, tiro à bancada, tiro à bandeirola, tiro para Estarreja, tiro para Ílhavo, tiro para Ovar, o que importa é chutar de força, ela há-de entrar. Nem que seja na próxima jornada. Dêem-lhe tempo que os zero jogadores que há ali no meio-capo hão-de multiplicar-se, como Jesus, o original, fez não sei onde quando as pessoas estavam cheias de sede mas não lhes apetecia água. Ai, não, ele fez isso foi com pães. Isto com um bocadinho de manteiga marcha tudo, é preciso é deixá-lo ser criativo, dar-lhe estímulo, dar-lhe tempo - sobretudo tempo - e esperar que a bola entre. A bola há-de entrar, nem que seja em Setembro ou Outubro, temos tempo. É impossível que a bola não entre pois se eles a atiram tantas vezes lá para a frente a coisa há-de ir ao sítio, é demasiado improvável que ela não entre nunca.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

Às vezes engano-me e tenho sempre muitas muitas dúvidas

Não há muito para dizer. O jogo oscilou entre o medíocre e o mediano até à incrível entrada de Talisca - ou até à tardia saída de um Pizzi catastrófico. Ver o Jonas dentro do jogo, substituído na função de "inútil entre os centrais" pelo Mitroglou, deixou-me muito satisfeito e faz-me aceitar que talvez - talvez! - o Rui Vitória não seja tão ignorante e inábil quanto eu acho que é. Para já, vou defsrutar da maravilhosa possibilidade de estar profundamente enganado.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

Joly há-de crescer

Há uns anos, fui com um amigo até ao Cais do Sodré. Costumávamos sair um bocado, normalmente até às tantas, sempre que ele vinha a Lisboa. Ele é do Porto e é portista, já agora, mas é bom rapaz. Nessa noite encontrámos um amigo dele, alguém com quem já tinha partilhado palco ou estúdio, não me recordo bem. Prosseguimos juntos, os três, uma tranquila maratona de copos percorrendo categorias diversas de álcool, acompanhando sempre com conversa e muitas histórias.

Lembrei-me hoje de uma dessas histórias, contou-ma o outro rapaz, que se lembrou dela quando viu entrar, Oslo adentro, fogosa e enérgica, uma prostituta anã. Parece então que, na terra desse rapaz, uma aldeia nas costas do desconhecido e de frente para o inexplorado, "num recanto", dizia ele, "lindíssimo, uma coisa inexplicável, cheio de riachos e canaviais, mato rasteiro na planície baixa e árvores tortas quando as encostas se inclinam", lá nesse pequeno paraíso que há-de ter nome de santo ou de santa, havia uma mulher que não conseguia ter filhos. O marido acabou por deixá-la, alguns anos depois do casamento, que foi consumado mas que não deu frutos e que assim, estéril, continuou, estação após estação.

A mulher, abandonada e seca, não se conformava. Toda a aldeia paria, só ela é que não. Os anos passavam e ela, que já não era abastada de beleza, envelhecia e via-se a desesperar. Até que um dia passou o circo lá pela terra. Não ficou muito tempo, foram três ou quatro dias. Mas foi tempo bastante para que a mulher tivesse conhecido uma das atracções, um anão ruivo a quem chamavam Joly. Para surpresa de todos e por obra de misteriosos encantos, Joly abandonou o circo e ficou a viver em casa da mulher. Assim, de um dia para o outro e sem darem, nem um nem outro, explicações a ninguém.

E viveram juntos, vários anos. Ninguém sabe se eram felizes ou não. Eu acho que não foram. O tempo passou e chegou um novo Verão - há sempre um Verão fatal numa aldeia - e com o Verão veio um novo circo. Ainda a tenda principal não estava montada e já a mulher levava Joly pela mão, praticamente arrastado, esperneando e barafustando. O povo espreitava das janelas e das ombreiras das portas. A mulher foi reclamar com o director do circo. Ninguém conseguiu perceber os detalhes da conversa, mas toda a gente ouviu quando a mulher berrou "MAS ACHA QUE EU QUERO FICAR COM ELE?! ENTÃO SE O MIÚDO NÃO CRESCE MAIS QUE ISTO!..."

A história teve muito mais graça ao balcão do Oslo às três da manhã, a matar a sede com Bushmills. Mas hoje lembrei-me dela várias vezes, sempre que lia alguém na internet a defender que devemos "dar tempo a Rui Vitória" para "deixá-lo crescer".

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Não subestimemos Vitória

Jorge Jesus - eu tinha prometido a mim mesmo que não voltaria a começar um texto com estas palavras, mas a realidade foi mais forte do que eu - disse que o Benfica é favorito para a Supertaça. Fê-lo durante mais um exercício típico de jorgismo em que alegou que o Benfica "joga de olhos fechados" porque "há seis anos" que a equipa trabalha de determinada maneira - em seguida, lubrificou o umbigo e enfiou lá dentro um cabo de vassoura.

Por partes: admito que seja possível que aquela malta jogue de olhos fechados. A julgar pela desorganização da equipa e pela quantidade de passes errados e remates sem destino que os jogadores fazem durante o jogo, diria até que é provável. Mas discordo da segunda parte do raciocínio de Jesus: está a subestimar as capacidades de Rui Vitória - a quem tragicamente ainda resta mais uma semana de trabalho até ao jogo da Supertaça! - para incinerar tudo o que foi feito em matéria de ideia de jogo ao longo destes últimos seis anos. Da pressão à intensidade, do comprimento da equipa ao esquema táctico, acabando na noção fundamental do objectivo do próprio jogo - fico fascinado com a ausência da ideia de baliza na estratégia de Vitória -, tudo me dá a sensação de que a missão arturjorgiana deste treinador no Benfica é eliminar qualquer vestígio da passagem de Jorge Jesus pelo clube.

Custa-me aceitar que em 2015 um treinador do Benfica se comporte como se estivesse a preparar a equipa para a gloriosa época de 1987 e que o faça sem querer. Se for esse o caso, creio que Vitória se equivocou quando escolheu a profissão. De qualquer modo, alguém se enganou redondamente quando decidiu contratá-lo para treinador do Benfica.

terça-feira, 28 de julho de 2015

Sonhos agitados

Eu não quero ter razão, eu só quero ser feliz, a frase rimbombou-me no sonho e acordei sobressaltado, baralhado com o falso antagonismo estabelecido pelo raciocínio e com a pobreza do mesmo. Forcei-me a caminhar, ainda trôpego, até ao espelho onde esperei encontrar o reflexo do rosto de Pedro Chagas Freitas. Foi com surpresa que encontrei o meu próprio reflexo e não pude deixar de me sentir preocupado.

Demorei dois cafés, um sumo de laranja e um croissant misto a perceber que o Benfica joga esta madrugada. O meu subconsciente parece estar mais alerta do que o Luisão, o que explicará a tal frase do sonho. Não me confundam: eu não quero vir aqui amanhã dizer "eu estou a avisar"; eu quero chegar aqui e escrever "felizmente, estava enganado... eu não percebo nada disto".

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Declaração de pânico e respectiva justificação

Sou o Diego Armés, tenho 35 anos e o meu número - pelo menos, até que o velhinho que está com o caderno das contas acabe de agrupar os riscos na sebenta - é o 227218. Não escrevo aqui há 8 meses menos 4 dias. Interrompo a minha preguiça precisamente enquanto gozo umas tranquilas férias. E faço-o porque sinto necessidade de responder a certas acusações gerais aos benfiquistas que entram em pânico.

Eu próprio não gosto de pânicos nem de histerias. Acho que são ambas reacções simplórias de quem não consegue olhar calma e friamente para um fenómeno e pensar sobre o assunto até que, eventualmente, chega a uma conclusão. Sucede que dou por mim em pânico. Não consigo não estar, por mais ridículo que isso possa soar após apenas três jogos amigáveis. Mas tenho as minhas razões.

Felizmente, há benfiquistas que não estão em pânico. Ainda bem. Mas há alguns que dizem coisas como "assobiam o ano todo mas depois no fim estão aos pulos no Marquês" e sinto-me particularmente injustiçado por esta acusação foleira. Não me ouvem assobiar nem quando tudo está mal; vou ao Estádio todas as jornadas (menos no aniversário da minha mulher, que costuma teimosa e maldosamente coincidir com um jogo em casa); e, por exemplo, no ano passado fugi da festa do Marquês - fugi até do país - porque o que me importa não é a festa mas antes o caminho até ela (a época em que o meu fervor Benfiquista mais se exaltou foi a de 2012-2013 - não sei se têm presente a festança que fizemos no final).

Há outros benfiquistas que dizem que isto "são derrotas de pré-época e o ano passado também levámos 5 em Arsenal". Antes de mais, o ano passado éramos treinados pelo melhor treinador a treinar em Portugal e o melhor treinador que eu vi treinar o Benfica. Pode parecer um detalhe, mas os detalhes têm alguma importância. Voltando à questão, existe uma diferença grande entre uma derrota circunstancial e um erro de sistema. Como é que eu sei que há um erro de sistema? Digamos que é o meu sexto sentido que se agita de cada vez que os rapazes não sabem o que fazer à bola porque ainda ninguém lhes explicou a estratégia e o objectivo, passo por passo, em cada fase do jogo. "Ah, mas circulamos muito bem a bola", dizem-me e eu respondo "sim, antes do meio-campo e com seis jogadores em meia-lua; as combinações de ataque não existem e as poucas jogadas de perigo que conseguimos nasceram de iniciativas individuais espontâneas". Não entrarei em detalhes técnicos, para isso leiam o Lateral Esquerdo. Sou apenas um leigo que tem o capricho de gostar de ver as coisas afinadas, sincronizadas e, imagine-se, planeadas e treinadas. Não estão.

[Momento onanista:] Escrevo ainda, ou talvez escreva sobretudo, porque fiz uma analogia que achei muito engraçada numa resposta a um comentário no facebook do meu irmão e achei que seria um desperdício perder-se essa passagem - perdoem-me a vaidade - tão bonita da análise futebolística fora de horas e alimentada a minis. É acerca dos benfiquistas que acham que vai ficar tudo bem, que o tempo tudo cura e o destino tudo endireita: «outra coisa assustadora: os benfiquistas estão tão habituados a ganhar ultimamente que tomam por segura a vitória final. Não têm discernimento. Acham que isto é só uma fase. Como aquelas fases do casamento em que um gajo fica a fazer horas extraordinárias todos os dias e dois anos mais tarde larga a mulher para ir de férias para Cancún com a galdéria mamalhuda que lhe trata das fotocópias. É tudo passageiro.»

E agora, se não se importam, vou continuar em pânico a boiar em águas tépidas, à pressa, porque ao fim da tarde tenho de ir comer peixe grelhado e convém não sobrepor as actividades.