sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A marca da Vitória

Não sei bem por onde começar. Tenho passado o meu tempo de frente para o futebol, a vê-lo, a lê-lo e a escrevê-lo. O futebol é este meu ecrã e podia perfeitamente chamar-se Clube Desportivo Samsung (era o mais barato) ou Windows 8 Football Club.

É curioso que esta apropriação do futebol sobre mim tenha resultado num esfriar de relações entre mim e o Benfica. Não se trata de um distanciamento real, eu continuo lá, no Estádio, e continuo atento, mesmo quando estou longe. Mas tornou-se mais complicado escrever apaixonadamente sobre o assunto que mais me encanta.

Às vezes, algumas pessoas perguntam-me se vou acabar com o blogue. A pergunta é pertinente, até porque este ano tem sido, para mim, de roturas e desfechos mais ou menos bruscos. Às vezes, é preciso acabar com coisas, fechar ciclos, bater com portas, para ganhar um novo fôlego e algum balanço, para experimentar novidades. Resumindo, a rotina começava a entediar-me.

Mas não, não vou acabar com o blogue. Por quem sois, o nome disto é o meu número de sócio, faz parte da minha identidade, caramba. Na carteira, faz mesmo parte da minha identificação. Aliás, a minha identificação foi reforçada com um Redpass, que ocupa um lugar na hierarquia dos documentos à frente do Cartão do Cidadão, do Visa Electron e do cartão da Multicare, ao qual quase não dou uso e devia, que tenho um tratamento dentário a meio do caminho e esqueço-me sempre de marcar a porra das consultas, ainda bem que agora falo nisso, vou já tomar nota. Mas não vou pôr aparelho, não é isso: os dentes continuarão tortos - endireitá-los seria tornar-me um desconhecido perante mim mesmo, seria um transtorno da minha própria identidade quase tão grave quanto a anulação do meu número de sócio.

A minha estreia com o Redpass foi promissora: chego ao meu lugar, sector 6, 3.º anel, mesmo na curva por cima do sítio onde o Aimar batia os cantos - em todos jogos ainda espero vê-lo pegar na bola, tomar balanço e lavantar o braço, depois correr e chutar para a entrada da área, onde aparece o Gaitán a rematar de primeira, sem deixar bater -, e deparo-me com uma valente cagadela de pássaro - mas de um pássaro grande, forte, poderoso e belo - na minha cadeira. Já não era fresca, mas ninguém tratou de limpar e, como ainda não tinha chovido porque era Verão - foi no Benfica - Gil Vicente -, as marcas ainda lá estavam, com todo o contorno e preenchimento. Pensei para comigo ai, Vitória, Vitória... 65 mil luares no Estádio e foste logo escolher o meu, minha querida e a seguir sentei-me na minha magnífica poltrona encarnada com vistosa lista branca.

A verdade é que o Benfica ganhou dois a um, virando o resultado nos descontos, quando já muita gente acenava lenços brancos de papel, os mesmos com que alguns acabariam por secar as lágrimas de felicidade.

Os lenços brancos continuam por aí, em bolsos mais ou menos nervosos. O Benfica não nos descansa e a gente não dá descanso ao Benfica. Uns assobiam, outros pedem cabeças. O Presidente Vieira faz dez anos de poder, o Jesus vai a caminho dos cinco de comando no terreno, as vitrines estão pouco mais preenchidas do que estavam nos dias em que cada um deles chegou ao seu cargo. Isto, posto assim, sugere que a rotina está a pedir quebra. De qualquer modo, a época parece-me sem remédio, não nos vejo com alma fresca o suficiente para voltar àquele ponto maravilhoso em que nos encontrávamos a 5 de Maio de 2013.

Bom, mas hoje joga o Benfica e tudo o que eu tenho é saudades de vê-Lo jogar.