sábado, 11 de maio de 2013

Fim da terapia

Vou estender ao sol generoso a roupa que ontem deixei a lavar, vou fazer o pequeno-almoço, que ainda não tomei porque só acordei agora, e partilhá-lo com a Lady Verde, vou mudar os cactos novos dos seus vasos minúsculos para outros mais dignos, que lhes permitam o crescimento que merecem. Vou passar o dia a deixar que o tempo me passe ao lado até ao momento em não possamos mais fugir um do outro e as minhas batidas por minuto dupliquem.

Cheguei ao fim da terapia. Não posso dizer que estou curado, mas sobrevivi a uma semana lenta e muito desconcentrada de tudo o resto que não fosse o momento que me espera ali, ao fundo da rua, na Típica de Alfama. Temos hora marcada e convém chegar antes do previsto para não perder o lugar. De vez em quando, alguém passa na rua, por baixo da minha varanda, e assobia ou grita ou canta. Um trazia uma buzina. O facto de o jogo acontecer a 300 quilómetros de distância não tem, hoje, a menor importância: o jogo acontece em todos os cantos do país, necessitando para tal que aí exista uma pessoa que ama o futebol.

Agora que a terapia chegou ao fim e que o sofrimento do tempo a passar devagarinho se prepara para ser cristalizado em duas horas de futebol sobre a relva que não queremos que acabe nunca mas que esperamos que passem depressa, percebo que este talvez seja o dia por que eu mais esperei em todo o meu Benfiquismo. Não estou a dizer que vamos ganhar nem a pressentir que vamos perder - o resultado é um objecto que fica ao fundo de lá ao fundo: é outra matéria. Falo da paixão. Se houve dias em que esta se revelou, em toda a sua pujança, beleza e dor, foi neste maravilhoso período que começou na segunda-feira e que hoje inevitavelmente terminará. Nem nas maiores derrotas, nem nas mais sumptuosas vitórias: nunca me senti tão Benfiquista como hoje.

E aqui estou eu, à beira de um choro bizarro e sem justificação, com um nó na garganta, um sorriso apalermado, um brilho olhos, as mãos nervosas, a olhar para o Sul. É tudo o que posso fazer, as minhas janelas não têm vista para Norte. Daqui não se vê o Dragão, vê-se a Serra da Arrábida e a bacia do Tejo, vê-se o Barreiro, vê-se a planície de Azeitão. Vê-se o Porto - Benfica em cada transeunte - parece que toda a gente decidiu vestir-se de encarnado (ou de azul, mas em menor número).

Entretanto a Lady Verde acordou e decidiu fazer ela própria as torradas e o café enquanto termino o texto. Pedi-lhe desculpa e disse-lhe «estou a escrever, é o fim da terapia». Parece ter compreendido. Penso que ela própria está agitada com o jogo. Não diria que puxa pelo Benfica, mas sei que gostava de ver-me feliz.

Não estou calmo mas sinto-me em paz. Existe um inesperado sossego nesta conjugação de factores, como se dormíssemos uma sesta retemperadora antes da batalha vigorosa. E sei que ao fim do dia haverá gritos de guerra, passos pesados e um intenso odor que emanará da vontade de vencer de cada um. E esta canção não me sai da cabeça.

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