quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

E tu, Benfiquista, já tens o teu bigode a postos?

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Widzew Lodz - Tromso IL

Quando anseio por um jogo de bola, como é o caso do desafio de logo à noite para a Taça, o meu organismo reage como se sofresse de falta de açúcar no sangue - só que em futebol. Tentando estabilizar-me, abro normalmente o First Row, na esperança de apanhar algum jogo da CAN entre países com baixa esperança média de vida ou aquelas eliminatórias mal resolvidas de um Taça da Eslovénia entre equipas cujo nome se escreve com caracteres de que não disponho. Hoje, o melhor que consegui foi um particular de pausa de Inverno entre o Widzew Lodz e o Tromso IL. O relvado do Widzew Arena é sintético, mas os árbitros eram da UEFA e uma das equipas, que suponho que fosse o Lodz, tinha brasileiros, o que conferia um ar um pouco mais sério à situação.

Foi, como se usa dizer, um jogo sem grande história. O Lodz lá ganhou e penso que parte do mérito da vitória se deve ao apoio incansável de um público pouco numeroso e bastante desafinado, sim, porém cheio de vontade e, suponho, de fé, uma vez que não encontro outra explicação para se ser adepto desta equipa. Nem da outra, já agora, mas essa não tinha ninguém a apoiá-la, o que me reconforta na medida em que me mostra que existe alguma lógica no espírito das gentes da bonita cidade de Tromso.

O placard ficou em 2 a 1 e eu, entre comentários jocosos no facebook a propósito do desafio, lances de xadrez no Chess.com e cuidados com o meu manjerico gigante - o Matusalém, que já tem quase um ano -, acabei por não ver qualquer dos tentos. Isto, conjugado com a qualidade de jogo das equipas, leva-me a crer que o resultado foi manipulado, já que não acredito que alguma das formações tenha conseguido, de facto, sair dali da região do meio-campo, fosse com passes, em futebol apoiado, ou em lance individual, com algum talento a sobressair. Em termos de talento, as 12 pessoas desafinadas que cantavam pelo Lodz ficavam claramente acima das 22 descontroladas que povoaram aquele hectare durante 90 minutos.

Matusalém, manjerico com 273 dias de idade, aprecia a paisagem - de futebol gosta, mas não liga muito.

No entanto, o que mais me surpreendeu foram os esquemas tácticos das equipas, que encaixaram na perfeição: se uma fazia lembrar um novelo, a outra mais parecia um embrulho. Alguém distraído e descontextualizado que olhasse de relance poderia pensar que estavam em campo mais do que os 22 jogadores que a lei autoriza - mas não, o que acontecia é que os 20 que não eram guarda-redes se juntavam todos ao centro para mandar pontapés para cima - e todos juntos pareciam mais do que eram na realidade. A estratégia de ambos os conjuntos também não diferia por aí além e juntava elementos de artes distintas e distantes, como a barbárie, o absurdo e o arremesso bizarro de objectos redondos.

Agora que terminou a partida, não me sinto saciado, os nervos continuam. Abro o First Row e fico contente: há jogos da CAN. Posso escolher entre o Togo - Tunísia ou o Argélia - Costa do Marfim e lamento o emparelhamento das equipas, pois acho que teria mais interesse se fosse um derby berbere e um clássico entre nações que eu tenho dificuldades em situar no mapa. Mas, postas assim as coisas, vou assistir ao Togo - Tunísia, que eu gosto do Adebayor.

terça-feira, 29 de janeiro de 2013

«Houve uma decisão»

Esta noite sonhei que o Sporting ganhava o campeonato. Este campeonato. Foi um sonho complexo. Não estou a gozar nem a tentar ter graça. Estou a relatar um facto: sonhei que o Sporting ganhava este campeonato.

Estávamos em casa do meu pai, que era a casa dos meus avós, no pátio, a fazer um churrasco. De repente, começámos a ouvir foguetes a rebentar. O meu irmão também estava lá. O meu irmão costuma dar azar. Ficámos intrigados com aqueles foguetes, até que começaram a chegar figuras nossas conhecidas. O senhor que tinha os foguetes e os ia atirando disse «vivó Sporting!» e lançou mais um. Então perguntámos «mas o que é que se passa?» e ele «campeões, campeões, nós somos campeões!» e lançava mais foguetes. Havia caos, dava para pressenti-lo. Nos nossos olhares, nos sorrisos patetas, no nosso susto indisfarçável: caos caos caos caos caos caos.

Entretanto, chega também o meu tio, grande sportinguista, todo ele feliz, muito feliz. Mas, chegando perto de nós, serenou e disse «ganhámos, porra!». E eu perguntei-lhe «então mas ganharam como? Nós é que estávamos em primeiro, ganhámos o jogo; o Porto, que estava igual a nós, empatou; e vocês, que ainda nem jogaram e estão lá atrás, como é que ganharam o campeonato?! Isto ainda nem acabou» e ele explicou que, por alguma razão que Freud haveria de explicar mas que o Sábio eloimita do Houellebecque rejeitaria com veemência e com uma explicação melhor ainda, «houve uma decisão e nós é que ganhámos. Campeões, campeões, nós somos campeões!».

Todo eu estava confuso. Fomos ao café do Guerra, que é uma tasquinha com esplanada, à beira da estrada, para tomar um café e ver se aquilo era mesmo verdade. O Guerra é um sportinguista muito doente, no que respeita ao clubismo. Chegámos e era o próprio, com os seus setenta anos ou quase ou mais ainda, não faço ideia, mas novo não é, em cima do muro, a soprar a vuvuzela e a gritar e a cantar. Deduzi que fosse verdade, pedi quatro bicas, dois bagaços e um Famous Grouse, sentámo-nos e eu enrolei um cigarro.

O homem dos foguetes, aparentemente amigo de infância do meu pai, continuava a largá-los, uns atrás dos outros, era uma felicidade imensa. O Guerra chegou com os cafés e os bagaços nas mãos ao mesmo tempo que soprava a vuvuzela, batia num tambor e agitava dois cachecóis, um em cada mão. Era um autêntico carnaval e eu só pensava «bom, do mal o menos... antes eles que os outros» e a seguir pensava «porra, mas como?!» e, de seguida, pensava «caramba, depois de uma época nossa destas, quase perfeita, estes tipos ganham porque houve uma decisão?!» e ficava desmotivado, só com aquele pensamento de «outra vez o 'é para o ano é que é', bolas?»

Já ia a meio do bagaço quando os sportinguistas que se iam juntando e eram cada vez mais, aos pulos, à nossa volta, com confétis e serpentinas e o Guerra com a vuvuzela, começaram a cantar «SLB... SLB... SLB, SLB, SLB... Glorioso! SLB... Glorioso SLB...» e eu perguntei ao meu tio «então mas não era filhos da puta?» e ele, com a sua serenidade de vencedor, explicou «isso era dantes. Mas agora, como fomos nós que ganhámos, vocês já podem ser gloriosos outra vez».

Acordei todo suado ainda não eram oito da manhã e não consegui voltar a dormir. Já não acordava às oito da manhã desde meados de 2006.

Diálogo de véspera de Taça

-Querido Master, os teus bigodes estão tão grandes.
-É com satisfação e orgulho qu
-Mas tão grandes que nem se consegue ver a tua boca. Não tens tesouras?
-A tua petulância é como um
-Consegues comer sopa com esses pêlos todos assim?
-As tuas palavras, milionésima migalh
-E como é que fazes para beber cerveja? Ficas com isso cheio de espuma...
-Ínfima molécula de Gloriosa e Encarnada ascendência... tens o extraordinário dom de me arreli
-Deixaste de beber cerveja? Mesmo quando joga o Benfica?
-Ofendes-me!
-Ficas um bocadinho feio. E velho.
-Devias saber que bebo minis! «O gargalo de uma min...
-«duma mini elimina o risco de um bigode de espuma», sim. Olha, tenho uma tesoura. Queres?
-Pequeno Vermelho... Pequeno Vermelho, Pequeno Vermelho, Pequeno Vermelho... é véspera de Taça, jogamos em Paços de Ferreira. Não me atreverei a tocar no bigode ou na barba nestas circunstâncias, como é evid
-Posso ir à final da Taça contigo?
-Bom... se o cosmos, alinhado e correcto, permitir que a nossa querida Equipa atinja o derradeiro desafio, farei gosto em levar-te comi
-Mas eu não tenho bigode.
-Não t
-Achas que consigo ter um grande bigode até Maio?
-Parece-me bastante improv
-E posso beber minis?
- :-|

sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Esta mensagem será destruída logo que me apeteça

Isto, porque o assunto é extraordinário, no sentido de "fora do vulgar": o blogue está em metamorfose estética e gostaria que os meus estimados leitores e mesmo os leitores dos outros clubes que por aqui passam os olhos deixassem o seu contributo para que este sítio fique mais e mais bonito. E com mais ar de casa de Benfiquista. Tenham a bondade.

PS - Podem mesmo comentar: a verificação de palavras, para saber se vocês são ou não robôs, foi desactivada. Podem ser robôs à vossa vontade, quero lá saber.

Chatices da bola

Há quem defenda que uma pessoa não se deve chatear com amigos por causa de bola. Tendo a discordar. Se há bom motivo para eu me chatear com amigos é precisamente a bola. Por diversas razões. A primeira de todas deriva de uma questão prática: dificilmente me chatearia com amigos por quaisquer outros motivos, não sou uma pessoa de quezílias por dá cá aquela palha, de quid pro quo's ou melindragens por insignificâncias mundanas. Resta-me, assim, o futebol como refúgio, gatilho, rastilho e combustível - em última análise, como "um bom motivo" - para me chatear com a rapaziada.

Dizem-me que não, que isso não tem jeito. Eu considero o oposto. Por exemplo, já houve tempos em que me chateei com amigos por causa de dinheiro. Hoje compreendo que isso, sim, é uma chatice fútil. O dinheiro é uma coisa que, em si mesma, não é uma coisa. É um meio. A mim o dinheiro não me faz nem bem nem mal. Já o futebol tanto me faz bem como me faz mal. Aliás, é precisamente por isso que gasto dinheiro com o futebol - e faço-o sempre sem um pingo de remorso. E nunca considerei "caro" um bilhete de futebol. Posso ter ou não ter dinheiro para ele. Mas caro, propriamente dito, é, por exemplo, qualquer imposto que eu pague, porque sei que é um pagamento abstracto, sem consequência imediata e palpável - provavelmente, servirá para pagar uma nesga de um juro de uma dívida remota a uma banca que eu já, com a minha migalhinha, ajudei a financiar e que agora me cobra por uma razão qualquer que algum senhor especialista em assuntos de dinheiro conseguirá não só explicar como até entender. Agora, um jogo de bola é um investimento seguro: uma pessoa paga e vê golos, vê o Estádio, vê as pessoas, ouve o hino, festeja, aplaude, chama nomes ao árbitro, etc. Há uma série de bens e serviços diante dos nossos olhos, tudo em simultâneo, num espectáculo proporcionado por artistas que custam um balúrdio, ainda por cima, e que são, na sua generalidade, gente famosa, que dá na televisão e tudo. O futebol só será caro a partir da inacessibilidade por exorbitância obscena. Todos os preços abaixo disso serão aceitáveis, se compararmos com o tal imposto não sei quê da sobretaxa com os cabrões dos duodécimos ou lá o que é.

Se me dizem que não devo chatear-me com amigos por causa do futebol, fico logo um bocado chateado. Um amigo que seja verdadeiramente meu amigo saberá o quanto o futebol importa para mim. Se não souber, é porque não será assim tããão meu amigo e, então, dispenso aquela relação que eu julguei que tínhamos, chateio-me à minha vontade e sem pudores e até lhe posso chamar nomes. Se se tratar de um verdadeiro amigo, então saberá que não deve chatear-me a cabeça com assuntos futebolísticos e que, se o fizer, estará exposto à minha ira, à minha irracionalidade, enfim, ao meu direito legítimo a perder as estribeiras por causa de uma merda qualquer - como dizer que o Aimar é uma fraude, por exemplo, ou que o Cardozo é um coxo ou o Peseiro é melhor que o Jesus.

Atenção, não estou com isto a querer dizer que "devemos" chatear-nos com os nossos amigos por causa do futebol. Não estou a apelar à desavença, nada que se pareça. O que eu defendo é a consagração do direito à chatice por parte de quem gosta mesmo de bola. Porque uma pessoa às vezes chateia-se e há quem olhe para nós como se fôssemos uma besta qualquer que se está a chatear sem motivo razoável, que é um bruto porque dá demasiada importância a isso da bola. Essas pessoas têm a ignorância que merecem e o preconceito que lhe é inerente. Mas gostava que respeitassem o meu direito a nem sempre achar que está tudo bem se me dizem que o João Ferreira gamou a favor do Benfica - isso é que por amor de deus.

Agora é isto da Taça da Liga - lá anda o sacana do Benfica a manipular esta porra toda para ganhar mais uma taça daquelas, uma coisa valiosíssima e pela qual valerá a pena contornar regras, se possível, corromper, manipular, já que o objecto, quase raro nas estantes do Benfica, visto que ainda não ganhámos nem poderemos nunca vir a ganhar a primeira edição que se disputou, merece qualquer esforço ou enredo que permita a sua conquista. Portanto, temos um clube, que é o Porto, que fez uma coisa qualquer, que eu não sei nem quero saber o que foi - não me diz respeito - que, aparentemente, viola regras que estão escritas e publicadas há meia-dúzia de anos. A entidade que gere a coisa admite que, assim sendo, é capaz de haver lugar a uma punição, uma vez que as regras não foram cumpridas. "Ai que a culpa é do Benfica". O Benfica, vejam bem. Que está sossegadinho, a cumprir as regras. Depois querem que uma pessoa não se chateie.

terça-feira, 22 de janeiro de 2013

Redigir, auxiliar, adivinhar, entreter

O jornalismo desportivo é, para mim, o que o fair-play é para o Jorge Jesus: uma treta. Aliás, reformulo - a afirmação anterior era injusta para com os bons profissionais que existem no jornalismo desportivo (e existem muitos, felizmente): as notícias de transferências de jogadores na imprensa desportiva são uma enorme banhada - estamos todos de acordo neste ponto, certo? Dá a ideia de que um chefe de redacção pega nuns papelinhos com os nomes dos auxiliares administrativos da empresa e faz um sorteio. Os felizes contemplados terão o direito de dar aso à sua criatividade, exprimindo, muitas das vezes, desejos pessoais, ao ponto de ser ler na página xis d' O Jogo ou d' A Bola (confesso que raramente abro o Record) uma redacção que se aproxima mais de um diário pessoal ou de uma carta ao Pai Natal do que de uma notícia: «se pudesse ser, eu gostava muito que viesse aí o Anzhi ou uns chineses ou assim e que comprasse toda a frente de ataque do Benfica, mais o Matic. E o Artur».

A questão do entretenimento especulativo nas páginas de um jornal que se dedica, em grande parte, aos detalhes absolutamente desinteressantes e irrelevantes de plantéis de equipas de futebol, quando o dia não é de jogo, não costuma apoquentar-me. Leio A Bola ou o Jogo - ou ambos, se me sobra o tempo; ou ambos e ainda o Record se me levantar da cama antes das onze da manhã, o que me deixa tempo até para ler a Marca, se me apetecer saber a cor das cuecas do Pepe no treino de sexta-feira passada - como podia ler as 50 Shades of Grey, se eu fosse uma dona de casa de meia-idade pronta para descobrir as maravilhas da sexualidade plena, ou uma trafulhice literária qualquer do José Luís Peixoto, se eu fosse uma dona de casa da terceira idade sem qualquer tipo de expectativa ou optimismo no pouco que me restasse da vida. Sucede que, desta vez, o administrativo a quem calhou em sorte, n' O Jogo, redigir sobre "transferências quentes" (chamemos-lhe assim), foi demasiado longe.

Ando desde há quase duas semanas, se não me engano, a ler que Pablo Aimar arrumou o cacifo. E, já por diversas vezes, que o deixou "limpo". Não me custa crer que Aimar seja um exemplo de higiene e organização, de maneira nenhuma. Porém, quer-me parecer que estamos a entrar no domínio da compulsão, segundo este relato, que repetia que "Aimar já não treinava com os colegas" e que já tinha "limpo e arrumado o cacifo". E eu só imagino Pablo Aimar a sair para o Seixal e, em vez de se ir treinar com os companheiros, fechar-se no balneário a arrumar e limpar o próprio cacifo, todos os dias, obsessivamente. Imagino a senhora Aimar a perguntar-lhe «mas querido, onde vais»? e ele «tenho de ir ao Seixal» e ela «mas hoje não tens treino» e ele, com um ar transtornado, «mas tenho lá assuntos importantes a tratar» e ala, que lá vai ele, arrumar e limpar o cacifo outra vez. «Andas a gastar muito em detergentes», diria a senhora Aimar, em tom de queixa.

Esta indústria do "e se a gente dissesse qualquer coisa, assim ao calhas, sobre determinado assunto?" tem certas particularidades que me fascinam e, ao mesmo tempo, assustam um pouco. Existe, por exemplo, uma espécie de competição nisto da redacção aleatória. Aparentemente, os jornais tentam ser, cada um deles, não só aquele que acertou com um palpite bizarro no que viria a passar-se, realmente, num futuro mais ou menos próximo, como ainda pretendem ser os primeiros a fazê-lo, de modo a que possam exibir o dom da adivinhação nas suas páginas, segundo o molde seguinte: «como O Jogo avançou, em primeira mão, já em Janeiro de 2013, Aimar assinou esta madrugada pelo Al-Ahli e amanhã, primeiro dia de Agosto de 2017, o genial argentino apresenta-se ao serviço dos dubaienses». Nunca sei se é dubaienses ou dubaieses.

Os anos de experiência no entretenimento em páginas de jornal levou a que certos detalhes tenham evoluído, de maneira a assegurar que a informação veiculada é certeira. Assim, em conjunto com o seu editor ou redactor-chefe, o administrativo responsável pelo texto elabora uma espécie de sistema infalível: passados uns dias sobre a publicação do primeiro texto - dias em que, por toda a redacção, se fazem rezas e mezinhas no sentido de ajudar a que a coisa aconteça mesmo, mas sem que se obtenham resultados satisfatórios -, lança-se uma segunda composição em que se afirma o contrário do afirmado na anterior. Por norma, este passo não se executa desmentindo a primeira informação, mas antes levando o leitor a aceitar condescendentemente que a coisa não aconteceu agora, mas pode muito bem vir a acontecer, se calhar.

No caso específico, o único que, na realidade, me rala, diz-se agora que Aimar, depois de muito limpar e desinfectar o cacifo, após litros e litros de lágrmias em despedidas que se repetiram numa base quase diária, afinal não vai já para o Dubai. Vai só mais logo. E, assim, uma das duas notícias d' O Jogo estará certa - se não for a primeira, será a segunda, e vice-versa. Isto é um esquema muito esperto, há que dizê-lo. Aqui entre nós, espero que o administrativo que redigiu a segunda seja o do palpite bom.

sábado, 19 de janeiro de 2013

Um mar de ilusões feito deserto

O Lima não consegue. O Lima teima em não conseguir e eu começo a perder a esperança. Começo a questionar o investimento de 5 milhões de euros num ponta-de-lança que não cumpre com a única exigência que estabeleci para ele. O futuro não se me afigura, aliás, risonho. Existe toda uma conjuntura a transfigurar-se sobre mim, preparando-se para contrariar qualquer desejo que eu formule.

Na quinta-feira, tinha o jogo começado às oito e meia, e eu, deviam ser umas nove, se tanto, já havia recebido quatro ou cinco SMS sobre o assunto: «hoje é que é», «desta é que o Lima te faz a vontade», «isto ainda vai é à manita». Fico feliz por constatar que há gente de crenças firmes que se agarra a uma ideia e deixa que a sua paixão a siga com a cegueira própria de quem não pode questionar, simplesmente porque tem fé e a fé lhe basta. Não me sinto só, o que me tranquiliza. Porém, o que me sossega é, ao mesmo o tempo, o que me desola: como, Lima, como é que tu podes desapontar tanta gente, semana após semana? Um mar de ilusões feito deserto, um oceano de vislumbres grandiosos, vasto mas antigo e agora Sahara de sonhos. O poker do Lima é cada vez mais um mito urbano.

E o Sporting? Num ápice, atinge a primeira metade da tabela e adianta-se seis pontos em relação ao Gil Vicente. Para cúmulo, o Beira-Mar sobe de forma e ameaça não integrar o grupo de aflitos quando se chegar à derradeira jornada em que recebe os aflitos de Lisboa. E eu? E os meus sonhos, ahn? E aquele plano do Marquês?

Eu, eu que não tiro a barba desde Fevereiro do ano passado! É quase um ano de restrições e cuidados. A minha mãe diz-me que pareço dez anos mais velho. Há quem evite sentar-se ao meu lado no metro. Em Setembro aparei-a no barbeiro, aqui por baixo de minha casa. Não falámos de futebol. Depois de a ter aparado, voltei a deixá-la crescer no registo selvagem que vinha alimentando até então. A minha sobrinha acha que pareço um homem das cavernas. Tudo o que quero extrair desta lenta e exigente composição capilar facial é um bigode imponente que possa levar ao Jamor, para ver o Benfica. E o Benfica vai-me dando razão e alento para o sacrifício. Mas e o Jamor? Quem me garante que é no Jamor que se joga? E se não for lá a final? Onde é que eu grelho as febras e as entremeadas? E se o meu bigode perder a razão de ser?

«Mas ainda tens o campeonato», dizem-me alguns, uns quantos, uns poucos. Pois tenho. Um campeonato disputado ombro-a-ombro com uma equipa recauchutada, remendada com Sporting - é bocadinhos de Sporting em toda a parte: no meio-campo, no ataque, no meio-campo de ataque. Só me falta que vão buscar o Labreca ao Olhanense e que contratem o Peseiro para eu abrir uma petição online a exigir a invalidação deste campeonato. É desumano. No início da época, eu não tinha esperanças mas nunca deixei de acreditar que valia a pena. Assim, tenho dúvidas. É tudo o que me resta. Parece que só andam aqui para me estragar as felicidades.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Foi um momento mesmo muito pedagógico

Quando o jogo terminou, a reacção, à mesa, foi foi quase unânime: uma frustração condimentada com raiva - sem alvo fixo. De um modo geral, o resultado não era injusto. Mas podia ter caído para o nosso lado, caramba!, não fosse o Cardozo acertar na pontinha - mas mesmo na pontinha - dos dedos do Helton, fazendo a bola bater na parte do poste que nos está aparentemente destinada: a de fora.

Quando deram tempo de antena ao Vítor Pereira - se a Pêpa não sei quantos pode tê-lo, é natural que o treinador portista também o tenha - ficámos rapidamente a perceber que o resultado tinha sido, afinal, uma dádiva para o Benfica e que devíamos estar gratos às entidades superiores (superiores ao Benfica, entenda-se), ou seja, à Liga de Clubes. Se a ira não se tiver dissipado, temo pela carreira das pessoas da Liga e, sobretudo, da arbitragem, que o patrãozinho parecia bastante aborrecido. Este ano vai tudo de férias para Monte Gordo e e e...

Vítor Pereira apresentou-se na Luz claramente mais maduro, mais sábio, mais esclarecido, mais ambicioso. Antes de mais, gostaria de saudá-lo pela recente apreensão de conhecimentos nos domínios do fora-de-jogo. Em menos de um ano, nota-se o progresso. Isto, embora o entusiasmo com a recente descoberta o leve a cometer alguns excessos. Com a novidade, vê foras-de-jogo e dentros-de-jogo por toda a parte e em qualquer momento.

É ainda curioso que o Vítor estabeleça uma relação directa e necessária entre o fora-de-jogo que foi mal tirado e o golo que foi claramente impedido de acontecer. Uma coisa é certa: tem uma fé inabalável nos seus jogadores e isso é de louvar. A maior fraqueza do Vítor é, no entanto, a matemática. Mas também se compreende e deverá resultar do seu espírito ambicioso, marca da casa onde come e se lava, aliás. Se o comum dos mortais começa a contar pelo 1, unidade singela e desprovida de apetrecho, Vítor Pereira arranca impiedosamente do complexo e primo 3, o tal da conta que Deus fez. Partir em vantagem também faz parte da sua escola. Além disso, o Vítor, homem do leme de tamanha barca, não perde tempo com as medidas humanas, pelo que se saúda o arrojo.

Ouvindo a conferência de imprensa com a atenção possível, ficámos a saber mais umas quantas verdades. Primeiro, que o Benfica não joga isto, um alfinete, um pinchavelho, a ponta de um caracol - dos pequeninos. É só pumba, pontapé para a frente, aí vai disto, à procura de faltas para o Cardozo bater. E até nisso o Benfica é incompetente - na única falta, num total de 97 minutos, que conseguiu a jeito para o Tacuara, este teve de sair de campo para ser suturado na cabeça. Nem no timing este Benfica é bom. Mas apreciei a seriedade que o Vítor disse uma coisa destas - ele, cuja equipa marca de um livre mal batido, primeiro, e de uma assistência primorosa de Artur, depois, e que não consegue UMA única (não são três, UMA!) oportunidade mais durante o jogo. Até na lata cresceu, o malandro. E sim, é verdade: foi o Cardozo quem meteu aquela no poste (confere: o Benfica joga para Cardozo - excelente leitura, Vítor) e só o fez porque chutou para a frente - se tivesse chutado para trás, teria acertado no Fernando ou no Mangala ou no próprio João Ferreira, que era menino para fazer o golo ao Benfica, pelo que ontem se viu.

Mas do que mais gostei no discurso pereiriano foi do seu pensamento inovador, logo a abrir. Aprecio gente assim, muito p'rá frente, muito modernos. Diz o Vítor que o Benfica devia ter terminado com 9 jogadores em campo. Eu gostava, antes de mais, de saber se o Carlos Martins conta como um inteiro ou não. Mas o que verdadeiramente importa é isto: eu pus-me a pensar e concluí que podíamos facilitar ainda mais a coisa, sendo assim. Tenho duas sugestões: ou o Benfica começa logo com 9 e escusamos de perder 90 minutos de trapalhada; ou, começando com 11, vai-se tirando um a cada dez minutos de jogo, até sobrarem só o Artur, na baliza, e o Cardozo lá à frente, para receber os chutos do guarda-redes. Assim como assim, são os únicos elementos fundamentais para o modelo de jogo desta equipa. Podia ser que o Porto, enfim, lá conseguisse ganhar.

domingo, 13 de janeiro de 2013

Eu e as minhas barbas

É dia de Benfica - Porto e eu não estou em Lisboa. É uma situação que se repete desde o tragicómico ano de 2011. Porém, ao contrário do que os meus amigos Benfiquistas pensam e acreditam, tal não sucede por eu pensar que a minha discreta presença no Estádio pode desencadear proençadas e benquerencices. Não. A presente situação deriva de estar no Algarve no âmbito dos festejos de aniversário da Lady Verde, distinta algarvia com genuíno amor pela sua terra. E se, na época que passou, eu me encontrava no Porto enquanto o Maicon cabeceava desavergonhadamente "isolado", foi porque havia para isso bons motivos extra-futebolísticos.

A minha ausência do Estádio é, portanto, não uma questão de superstição mas antes uma infeliz consequência de coisas, no geral, boas, felizes e positivas. Porém, mesmo sabendo-o, quando o árbitro apita para o pontapé de saída, sinto que está a assinalar a minha falta. Perante este peso na consciência, não me resta senão minimizar, tanto quanto me é possível, o sentimento de culpa. Em 2012, decidi ir assistir ao desafio na Casa do Benfica da cidade do Porto; este ano, encontrando-me no Sul, a opção só podria ser ver a bola com o Constantino.

E é aqui que toda a minha operação "'bora aí ver o Benfica ganhar de goleada" se complica: eu e o Constantino não nos conhecemos pessoalmente. De um modo geral, pode dizer-se que somos "amigos online" ou que "nos conhecemos da internet". É uma questão delicada. Para que não haja confusões na hora em que, finalmente, havemos de nos encontrar, decidi que seria apropriado fazermos, cada um, uma descrição de si mesmo. O Constantino foi sintético e pragmático, «sou um gajo assim extremamente Benfiquista, não tem que enganar». Já eu elaborei mais um pouco: «sou um tipo baixinho e com umas barbas muito grandes», disse eu. E ele «muito grandes como? À Jesus Cristo?».

Não costumo ser pedagógico ao domingo e, ainda menos, quando joga o Benfica. Mas como hoje o 227218 - o blogue, entenda-se - completa dois anos de existência e me sinto bastante confiante para o Benfica - Porto (festejarei o quarto golo com um sonoro «oppa gangam style!»), abro aqui uma excepção para conversarmos um pouco acerca de "barbas". Desde que, em Fevereiro de 2012, comecei a deixar crescer a barba com objectivos dostoievskianos, tenho-me deparado com diversos preconceitos e reacções de espanto, com incompreensões e imprecisões de interpretação. O exemplo da "barba à Jesus Cristo" é o mais vulgar: antes de o próprio Cristo ter, supostamente, usado fartas barbas, já toda uma humanidade o fizera ao longo de séculos, ao longo de milénios. A barba não é invenção do Nazareno. Aliás, os seus conterrâneos contemporâneos tinham por norma adoptar o mesmo look, o que se compreende, tanto pela dificuldade de acesso a lâminas decentes, por um lado, como pela coerência estética ao fazer pendant com o registo casual-andrajoso muito em voga na época, por outro. Importa, igualmente, deixar claro que Jesus Cristo não terá sido "o último dos barbudos", pela que a recorrente referência, por associação, ao Messias Cristão é manifestamente exagerada.

Ocorre-me, enquanto penso nestas matérias, que fazem falta no futebol homens com barbas à antiga. Que é feito dos Vítores Baptistas, dos Humbertos Coelhos, dos próprios Sócrates dos relvados? O futebol, enquanto palco mediático, actua pedagogicamente e, por isso, ajuda a reduzir os níveis de intolerância. Vejamos: os dramas do racismo são combatidos por clubes, jogadores e organizações do mundo futebolístico. A própria tragédia dos brincos de brilhantes tem sido combatida através da propagação de exemplares jogadores que demonstram inequivocamente, jornada após jornada, que isso de usar brinco não é assim tão «paneleirice de maricas». Pode até ser praticamente másculo. O meu próprio pai, por exemplo, que me dizia com a sua tranquilidade paternal «experimenta meter uma merda dessas na orelha e vais ver se voltas a pôr os pés nesta casa», contava-me com indisfarçável orgulho o episódio do Vítor Baptista à procura do brinco na relva da Luz. E depois ria-se, abanava assim a cabeça e retomava a conversa «mas tu não me metas uma merda dessa na orelha, ouviste?».

Há quem me chame vagabundo, há quem diga pareço um homem das cavernas. Tem dias em que me apelidam de "pescador". E, claro, na maior parte do tempo, acham que faço lembrar Jesus Cristo. Há uns tempos atrás, quando a minha barba era mais tímida, diziam-me «és igual ao Aimar». Mas agora, que a minha barba tem mais meio palmo do que a dele, o meu aspecto desvinculou-se em absoluto dos cânones futebolísticos. Pablo, se me estás a ler: deixa crescer essa barba. Vamos, juntos, eliminar estes preconceitos.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Bola que é bola é da Mikasa

Eu não queria dizer nada sobre isto da Bola de Ouro porque só há coisas óbvias e aborrecidas para dizer. Que o Messi ganhava já era de prever, que o Ronaldo mereceu o crédito suficiente para criar algum suspense, o que é muito mais do que meramente honroso, também estava à vista de todos. O Iniesta fez o que qualquer outro no seu lugar faria: número. Já agora: o meu preferido é e continuará a ser o Falcao - isto entre os elegíveis porque, se eu mandasse, ganhava sempre o Aimar. Agora, há muita gente que clubiza e enfatiza sem olhar a meios nem a palavras e que, sobretudo, ridiculariza o que de ridículo nada tem. A essas pessoas, deixo uma sugestão de leitura: AQUI.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

Música para os nossos ouvidos

O futebol é um espectáculo. Primeiro que tudo, porque tem, numa definição muito feminina e anosoitentista, 22 rapazes e uma bola. Mas tem também a táctica, a própria relva e o seu cheiro inigualável, o drible, o passe perfeito, a intercepção, a desmarcação, o lance duvidoso, a grande defesa, o golo, o grande golo e o golo de antologia. Tem o canto directo e a bola na barra, o livre do meio da rua a rasar o poste, a queda do árbitro, o tropeção do fiscal de linha, o vermelho directo, o amarelo alaranjado, a substituição mal-disposta, a saída para a ovação, de pé, a cinco minutos do fim - que às vezes não corre bem, como aquela do Müller o ano passado, na final da Champions -, o chapéu longo, o Zlatan, o Diego, o Dennis, o Cristiano e o Thierry, as lendas, as paixões e os confrontos com a polícia.

Mas o futebol não é só aquilo dentro das tais quatro linhas. Sobretudo, ao vivo. Na televisão, o espectáculo é esquartejado, dissecado e apresentado em versão gourmet, com repetições em ângulo regular e inverso, alta focagem e HD. O futebol na televisão não tem sequer intervalo, tem interrupção da transmissão. Só no estádio é que o futebol tem intervalo. E já não falo do pré-match, com cerveja e bifana de roulote, amigos e conversas sobre futebol, em vez daquelas antevisões de partidas com os Pedros Heniques e os Queridos Manhas e os Tadeias, todas afutebolísticas, estagnadas, teóricas, desinteressantes, sem espectáculo.

E o futebol é sempre um espectáculo. É arte e entretenimento, comunhão, dor, explosão de alegria, ralhetes, piropos e cachorros a três euros, queijadas de Sintra, Magnum amêndoa, garrafas de água sem tampa, cerveja sem álcool e o petardo ocasional dos tempos modernos - dantes, um petardo era um chuto de força e, às vezes, no recreio da escola, não valia.

O intervalo do jogo de futebol é um momento especial. Sem arte no relvado, sem emoção junto à área, sem stress do vai-não-vai, o povo quer ser entretido. «Here we are now, entertain us», cantava o Cobain. E tinha toda a razão. É curioso que uma das músicas que passam no Estádio da Luz, durante o intervalo, seja precisamente o Smells Like Teen Spirit. E também passa o Here Comes Your Man, dos Pixies. Um luxo. Porém, um luxo ensanduichado entre dois centralões desajeitados, como o Siguro Tchan ou o Ai Se Eu Ti Pego. Nota-se, pelo alinhamento, que existe, por parte do DJ, uma tentativa de agradar às várias franjas da multidão. Eu, como DJ, discordo da opção.

Já durante as tardes longínquas no Estádio Mário da Silveira - nome pomposo para "campo do Mafra", um território relvado atrás de uns prédios -, a ver o Depór defrontar um 1.º de Dezembro, um Mem Martins, um Operário, se havia coisa na qual eu apreciava o capricho da composição era o alinhamento das canções ao intervalo. Duran Duran, Roxette, Pretenders, os próprios Ace fo Base, eram presença assídua nos altifalantes do campo da bola. Algumas cassetes alinharam épocas a fio até reduzirem o pitch e virem a ser substituídos por uma Whigfield ou uma Mariah Carey. Mas a qualidade mantinha-se.

O que eu quero dizer é que tenho muito gosto em ir à Luz e ouvir os Pixies e que até nem me incomoda segurar o tchan. Porém, o Ai Se Eu te Pego é desnecessário, bem como os Nirvana, quando não existe uma coerência e, sobretudo, uma escolha inteligente, certeira, adequada. Eu não vou à Luz para ouvir grunge ao intervalo nem para fazer coreografias patetas, lado a lado com senhoras que, pontualmente, deixaram a novela a gravar para irem ver o Benfica. Eu vou à Luz para ver o futebol e para desfrutar do intervalo a que também eu tenho direito, depois de 45 ou 46 minutos de sofrimento e gritos e aplausos e antecipando mais 48 ou 49 do mesmo, descontando o aplauso à equipa, no final, quer ganhem ou percam. Durante este período de descanso, quero beber a minha Coca-Cola em copo de cartão e ouvir uma pop que não me entusiasme em demasia, mas que também não me desanime. Algo que me mantenha sóbrio, alerta e desperto, mas, ao mesmo tempo, me descontraia, me relaxe e me mostre que nem tudo o que ali se passa é fundamental para a minha vida - para isso já nos bastam os períodos em que a bola rola. Não peço uma Rihanna nem uma Byoncé. Mas já uma Pink ou até mesmo uma Britney Spears ou ainda, porque não?, uma Alanis, um Michael Jackson no seu período Bad, o próprio Timberlake ou, quiçá, o Prince, são artistas a levar em conta. Indo para algo mais clássico, que tal arriscar um Elvis Costello, um Marvin Gaye, uma Tina Turner?

Se o departamento de DJ'ing do Sport Lisboa e Benfica me estiver a ler, fica o meu compromisso: trato das canções ao intervalo no Estádio da Luz, sem qualquer encargo para o meu Clube. É contactar-me por e-mail ou pela minha pa´gina no facebook: http://www.facebook.com/HomemTemporariamenteSo.

Adelina

Tentei escrever sobre o assunto quando o assunto estava fresco. Acabei por preferir não o fazer. Teria sido indelicado. E indelicadeza seria coisa imperdoável para a minha avó Adelina.

No dia do velório, receei entrar na sala onde se encontrava o caixão. Sabia que, podendo ver-me, Adelina teria dito «ai, mas para que é essa barba, tão grande, a esconder uma cara tão bonita?», com um tom misto de meiguice e severidade, a impor respeito ao mesmo tempo que saúda e acolhe. A minha avó gostava de corrigir. Com bondade, com paciência e com velhice - mas gostava das coisas correctas e no seu sítio.

A minha avó Adelina morreu em ante-vésperas do Natal e o Natal foi, naturalmente, afectado pela tristeza da sua partida. Não pela tragédia nem pelo drama. Mas a tristeza permaneceu porque não podia ter sido de outra forma.

O Natal lá por casa é, já por si, menos efusivo na medida em que somos cada ano um pouco menos crianças, eu e o meu irmão. O Natal sem crianças é muito menos natalício. Este Natal tinha tudo para ser muito mais acabrunhado e sisudo. Tentando amenizar a situação, decidi eleger um novo infante e declarei unilateralmente a criancice do meu pai: ofereci-lhe um jogo de matraquilhos, daqueles de mesa - mas dos de madeira, não dos outros de plástico rasca. Curiosamente, é um Benfica - Estoril. Tratou-se de um acaso. Se não acreditam, depois publico as fotos. Mas a sério que não sabia como equipavam os jogadores que vinham dentro da caixa selada. Temi que fosse um Benfica - Sporting moderno, com jogadores partidos de um dos lados. Felizmente, tudo correu bem.

Os pequenos matraquilhos equilibraram a disposição e recuperaram algum do bom humor em falta. Na própria noite de Natal, montou-se a mesa e disputaram-se dois campeonatos quadrangulares. Por momentos, aligeirou-se o pensamento. E eu sei que a minha avó Adelina teria gostado de saber que assim foi. O Natal importava-lhe muito. O Natal, como todos os grandes símbolos e momentos da Cristandade. Era uma católica de fervor sincero, a minha avó. Aliás, é a esse fervor que devo parte do meu fundamento Benfiquista.

O meu avô Domingos, grande ateu e Benfiquista de alicerces na espinal medula, convivia com a minha avó, católica como já descrevi e Benfiquista por herança, com enorme facilidade: na casa do Quintal partilhava-se pacificamente o espaço para as ondas hertzianas - a telefonia era um objecto de enorme importância no quotidiano de um casal do campo nascido por volta de 1920. Se havia futebol, ouvia-se o relato; se a hora era de missa, ouvia-se a Renascença - cada coisa no seu sítio. Quando as transmissões se sobrepunham, o meu avô nem se atrevia a propor alteração à lei das prioridades da casa - pegava em mim e íamos para o pinhal ou para o campo do Gonçalvinhense, mesmo ao lado, ouvir o Benfica e dar pontapés na bola.

Estou grato à minha avó por tudo e por mais isto, este Benfiquismo que, graças à sua maneira de corrigir e de arrumar no sítio certo, ajudou a sedimentar. Sinto muitas saudades do seu chá Li-Kungo e das suas torradas em pão saloio cozido a lenha, a seguir à jogatana e ao relato.