segunda-feira, 4 de junho de 2012

Orgulhosamente snob

Uma das consequências nefastas de ter a selecção no Europeu é esta espécie de democratização maligna do assunto. De repente, as senhoras da produção, aqui ao lado, para quem o futebol era "22 parvos a correr atrás duma bola" desatam a opinar convictamente sobre a matéria futebolística. Que «ganhamos os três jogos», que «não, que a Alemanha nos faz a folha», «oh, mas assim não dá... temos de ganhar os três jogos , não é?», «não, três empates chegam». Esta feirização do futebol de selecções é arrepiante. Ver aquele desfile bárbaro de figurinhas pimba, devidamente patrocinadas pelo Continente, a chafurdar-me as imediações do Estádio da Luz, sábado passado, fez-me aflição. Porque não me deixam o futebol em paz? Não podem entreter-se com a família Carreira?

Escrevi isto num daqueles estados de alma do anexo deste blogue no facebook. Volto a este assunto seis anos depois de o ter abordado pela primeira vez, na antecâmara do Mundial de 2006. Na altura, tentei perceber onde tinha começado aquilo a que chamei "futebol pimba". Penso que o ponto onde tudo se cristalizou talvez tenha sido na bandeirização nacional a pedido de Scolari. Percebe-se a ideia, mas lamenta-se o efeito. É que tudo isto se tornou baratucho, leviano, sem sentido. Nem futebolisticamente é válido - e digo-o sabendo que a festa popular do futebol tem pergaminhos e um historial de indesmentível de beleza, desportivismo e coiratos com vinho tinto, cujo expoente máximo se atinge no Jamor na final da Taça, que me apaixona e comove (sem ironias: apaixona e comove mesmo) pela genuinidade que apresenta.

Porém, o caso da selecção é diferente. Batemos recordes do Guiness para apoiar a selecção - são bandeiras humanas ou então são bandeiras com milhares e milhares de assinaturas -, fazemos hinos de apoio aos "nossos jogadores", confundimos gosto na selecção e patriotismo natural na hora de ver a bola com uma avalanche de manifestações tão bacocas e imbecis que mais parecem extraídas de um diário de campanha eleitoral de um partido com reais aspirações a constituir governo. Junta-se ignorância com pobreza de espírio e uns pozinhos de música de bailarico, arma-se a tenda, oferecem-se bandeirinhas do Portugal-Continente, oferecem-se porta-chaves de pôr ao pescoço do Portugal-Millenium-BCP e eis a nação vestida com as cores da pátria by Nike, contente que dá gosto ver, toda ela orgulho e esperança, prognósticos, estratégias e fé no C'stiano.

Isto entristece-me, porque me afasta do que verdadeiramente importa - a selecção nacional do meu país a jogar à bola - e incomoda-me, porque me dá cabo do futebol. É uma praga. É pior que uma praga. É uma manada furiosa que precisa de se alimentar de objectos coleccionáveis, Tonys Carreiras, bandeirinhas e uma causa - que tanto pode ser ajudar os pobrezinhos indo ao Rock in Rio como, no caso que me deprime, fazer da selecção nacional "o clube de Portugal". «Clube de Portugal» conheço dois e não gosto de nenhum. E este, se continuam a estragá-lo com cupões de desconto, irá pelo mesmo caminho. Que eu, na verdade, gosto mesmo é de ver a bola. Desculpem lá.