terça-feira, 17 de abril de 2012

He shoots and he scores! Oh, what a lovely volley

Tenho andado a falar do futebol concreto e isso é coisa que me desagrada. Corrijo: tenho andado a falar concretamente de futebol e isso é muito aborrecido. Aquele futebol de enormíssimo desinteresse, do treinador que vai ou que não vai, da taça que se ganha ou que não se ganha, do que se passa mesmo ou do que se vai passar. Uma chatice. O futebol etéreo dá goleada a essa conversa sem jeito. Deixo aqui as minhas desculpas, meti-me a fazer de adepto com coisas para dizer, mas não de propósito, foi impulso mesmo.

Tentemos recuperar o lado poético da bancada e do relvado – mas não sei antes deixar uma nota breve: se eram mesmo Benfiquistas (e deixo a minha dúvida a negrito porque não sei fazer o sublinhado), aqueles encapuçados que esperaram a equipa e o treinador para os assobiarem e insultarem depois de conquistada a Taça da Liga, são uns encapuçados bastante estúpidos. Aliás, surpreendentemente estúpidos. Estúpidos ao ponto de ainda não terem compreendido, numa lógica caneciana, que ser o vencedor é o contrário de ser o perdedor. Fica o meu espanto, seguido do meu profundo insulto: vocês são estúpidos.

Mas entremos no futebol que nos entra pela vida adentro. Ela quer ir a Oxford Street e isto é uma extraordinária notícia. Ela quer ir a Oxford Street fazer compras – «fazer compras»: «comprar roupas que talvez um dia venha a usar, mas a questão não é essa, a questão verdadeira e propriamente dita é mesmo ir lá e comprá-las ou, pelo menos, poder comprá-las» - e isto é o chamado bis.

Começava a ficar angustiado. A possibilidade de ir a Londres e não conhecer Wembley estava a ganhar forma e substância: eu não tinha moeda de troca. Estávamos os dois muito de acordo, a fazer aquele papel, sempre cúmplice, de culto «ah, pois, a Tate, a National Gallery», de quem sabe o que quer «sim, sim, e havemos de sair à noite no Soho», de vá-lá-só-desta-vez-turista «e quero uma fotografia com o Big Ben lá por trás, não quero saber», de pessoa cosmopolita que gosta da cidade tal como ela é «e um fish and chips em Portobello».

A unanimidade é uma coisa muito apreciável mas, honestamente, estava-me a complicar uma série de planos: sábado à tarde de bola num pub cheio de ingleses, ir ao Emirates certificar-me se é gémeo verdadeiro ou falso da Luz e ir a Wembley porque ir a Wembley deve fazer parte dos planos de qualquer adepto do futebol, eram, até hoje de manhã, assuntos-tabu em toda a planificação da viagem. Escusado será dizer que nem regateei, «claro que sim, meu amor, até pode ser que encontre alguma coisa gira para mim». Um – zero.

domingo, 15 de abril de 2012

Uma taça é uma taça é uma taça

Não é menos nem mais do que isso.

[sugestões para possíveis comentários: "nem mais!"; "disseste tudo"; "100% de acordo"; "juro que pensei no mesmo título - e um título é um título é um título".]

quinta-feira, 12 de abril de 2012

Uma explicação que se impõe

Num blogue aqui vizinho, um comentador – daqueles comentadores decentes e correctos, semelhante a (quase) todos os que aqui param – dizia algo do género «não é por perdermos que as críticas devem surgir; as críticas devem existir sempre que se justifiquem». E é uma grande verdade. Porque é muito fácil fingir que tudo está bem quando ganhamos 11 jogos consecutivos, mesmo que vejamos que há coisas que funcionam mal e, depois, no final, quando as tais coisas que funcionam mal levam ao descalabro, isto é, ao desfecho das épocas do Benfica nos últimos dois anos, todos nós temos dedos e razões para apontar e, muito sabiamente, conseguimos explicar tintin por tintin a origem da tragédia.

Há, felizmente, muita gente que pensa bem e que fala bem e que é séria e que executa a função crítica com o rigor e o Benfiquismo que se pretende. Eu sou, por norma, um tipo mais calado. Gosto de ler e observar, pensar sobre o assunto. Esta é, claro, uma posição de enorme conforto. Quem não contesta, não se põe a jeito. Mas não é pelo conforto da situação que o faço, acreditem que isto é mesmo feitio: gosto de deixar as pessoas trabalhar, de um modo geral, sem me intrometer. O que não significa que não tire as minhas notas.

Porém, e por uma questão de respeito a todos os que na hora das vitórias mantiveram o espírito crítico, zelando pelo interesse maior do Benfica, e igualmente por respeito àqueles que não critiquei quando havia tempo para emendar o que estava errado, vou manter-me sossegado, em vez de alinhar na campanha de incêndios que, parece-me, já começou um pouco por toda a parte. Até porque não creio que seja com motins que a coisa vá ao sítio – a história tem vários exemplos que ilustram bem o quão perigoso é mudar as coisas com raiva e pelos motivos errados, em vez de o fazer serenamente e com uma estratégia.

Acontece que já falei aqui sobre Jorge Jesus e pus em causa a sua continuidade no Benfica. E agora devo uma explicação, uma boa explicação, tanto a quem me lê como ao próprio Jorge Jesus, que é provável que não me leia, mas enfim, somos pessoas educadas e eu tenho consideração por ele.

Eu acho que é perigoso Jorge Jesus continuar na equipa por uma série de razões, mas vou focar-me em apenas uma que é, quanto a mim, a mais perigosa de todas: a “perda” da equipa. Não estão em causa o valor do treinador, as suas ideias, as suas qualidades ou os seus defeitos. Simplesmente, sinto que Jesus perdeu a equipa. As declarações de Maxi Pereira no final do jogo contra o Olhanense são sintomáticas: eles, os pilares da equipa, estão gastos – estão cansados de ganhar poucos títulos e estão frustrados por este título lhes ter escorregado por entre os dedos: era um campeonato fácil, convenhamos; há dois meses atrás, não me passava pela cabeça não ser campeão.

Esta frustração causa, em jogadores “da casa” que são ambiciosos, revolta, de alguma forma. Eu, ingenuamente ou não, acredito que estes jogadores (Maxi, Lusião, Aimar, Javi, entre outros) querem tanto ganhar jogos e troféus quanto eu quero. E isto, acreditem, é dizer muito porque, por mim, começávamos numa ponta e acabávamos na outra, não deixávamos uma só derrota, um só empate para trás, era tudo corrido a vitória – e das pesadas, de preferência. Uma época com campeonato, Champions e Taça de Portugal seria “uma boa época” (mas ainda ficaria a faltar a Taça da Liga…).

Estes jogadores são, na minha perspectiva, o argumento mais forte que o Benfica tem para os próximos tempos. São eles a estrutura da equipa e é com eles que temos de contar para integrar novos elementos no plantel, por um lado, e para solidificar um certo espírito Benfiquista que se perdeu na tragédia dos anos 90, por outro. O Benfica precisa deles. O Benfica precisa de constituir família e são estes jogadores quem o pode fazer. Temos de deixar heranças no balneário e no relvado, temos de acrescentar caras novas à iconografia do clube. Estes jogadores são a nossa força e o renascimento de uma equipa que é também uma família, como o foi nos anos 60 e 70.

Acontece que, olhando de fora e correndo o risco de estar completamente errado, este núcleo duro parece desmoralizado, desgastado e, no fim das contas, desiludido. E não há pior para um líder do que a desilusão do grupo que dirige.

Que fique claro que reconheço a Jorge Jesus todas as qualidades que sempre lhe reconheci (sobretudo, estou-lhe grato pelos inúmeros momentos de excelentíssimo futebol com que me presenteou, a um nível absolutamente de topo). De resto, não defendo que «Jesus tem de sair», sequer. Só acho que é muito arriscado para ambas as partes tentar uma reconciliação. Sobretudo quando, de cada vez que tomamos uma opção errada, o Porto fica um campeonato mais perto. Em Maio, ficarão a apenas seis. E eu, egoistamente, preferia que em 2013 eles voltassem a ficar a sete, em vez de passarem a estar a cinco.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Clubes e topos

Quando Rui Costa diz que «Witsel é um rapaz que está pronto para jogar num clube de topo», suponho que se refira a um dos sete que partilharam com o Benfica os quartos-de-final da presente Liga dos Campeões. Deduzo que não aponte o APOEL nem o Marselha. O Chelsea, aquele parque de diversões de Abramovich, também não deverá constar entre essa elite. Sobram Milan, Barcelona, Real Madrid e Bayern Munique. Sabemos bem da grandeza destes quatro, a todos os níveis, e não vale a pena pormo-nos em bicos de pés para ficarmos mais altos que eles. Mas, pessoalmente, tenho muita pena de ouvir um suposto símbolo do Clube excluir automaticamente o Benfica da elite da Europa, sobretudo quando os resultados recentes não confirmam esta percepção e a equipa integra nomes do futebol como Pablo Aimar, Oscar Cardozo, Javi Garcia, Ezequiel Garay, Luisão, Maxi Pereira ou Nico Gaitán, para não falar nas promessas Rodrigo ou Nelson Oliveira (e deixando de parte uma estrela reformada: Saviola) ou nas vendas milionárias das últimas épocas, como as de Ramires, David Luiz, Fábio Coentrão ou Di Maria (a clubes de topo, pois claro; mas o certo é que jogaram todos juntos e em simultâneo com aquela Camisola vestida). Witsel é um jogador de topo, não tenho dúvidas. E, por isso mesmo, está no clube certo - até um dia destes vir algum da nossa igualha, mas mais endinheirado, e o levar. E Witsel está no clube certo provavelmente ao contrário de Rui Costa que, com o seu passado de amor ao Clube, o seu histórial de vitórias pelo Clube e as provas dadas na gestão desportiva do Clube, talvez mereça exercer o seu muito discreto - e ainda assim acidentado - cargo noutras paragens. Fica a ideia.

Do relativismo e da limpeza de monumentos, entre outras coisas que já não cabem no título, que já vai longo, parece que nunca mais acaba

Regressei à realidade e admito que me está a custar. Não falo das dores naturais de uma derrota letal, a essas respondo com os calos e cicatrizes de quem viveu de 1995 a 2004 e viu Paulo Madeira fazer dupla titular com Ronaldo numa equipa sem lesões nem castigos. Custa-me, sobretudo, constatar que o que escrevo, o que penso ou o que sinto são partículas irrelevantes de uma existência sem grande significado. Enquanto eu penso o futebol e o Benfica, José António Saraiva estabelece uma lógica intrincada que liga, num só texto, Fidel Castro, Durão Barroso, niilismo e um adolescente vestido com roupas pretas num elevador da Fnac, sem dúvida rebeldemente homossexual. É pena que Saraiva não tenha conseguido identificar o clube por que torcia o jovem que tanto o impressionou – talvez não tenha olhado para o modo como flectia (ou não) os joelhos. Fica a sugestão, porque agora fiquei curioso.

Eduardo Barroso – outro génio capaz das mais improváveis e impensáveis teorias, embora muito mais cobarde no que respeita a revelá-las ao mundo (sobretudo se envolverem clubes cujo nome começa por Futebol Clube do Porto) – exige, com um peito inchado e a voz subitamente grossa, “respeito!”, porque o Sporting “vem aí!” e é, ao que parece, a melhor equipa daqui e dos arredores daqui e devia estar a lutar pelos primeiros lugares porque… enfim, porque ganhou – um a zero e de penalty – ao Benfica, deduzo eu. Não é disparatado e é até bonito saber que Barroso tem o Benfica em tão alta conta. E o Vitória de Guimarães até é capaz de apoiar a ideia. Porém, o que mais impressiona em todo o texto, é o tom de José Castelo Branco arreliadíssimo com que a prosa flui.

A importância que as coisas assumem, esse relativismo tão humano e tão pequeno, anda, ao que parece, liberalizada. A bitola sempre falível do bom senso baralhou-se, quer-me parecer. Ou isso, ou as criaturas de verde que estavam empoleiradas na estátua do Marquês eram empregados da Câmara a proceder à limpeza do monumento. Se não for esse o caso, não digo que sejam ridículos – embora pudesse legitimamente fazê-lo. Ou, melhor, não confirmo nem desminto que o sejam e não aprofundo o assunto.

Sábado disputa-se mais uma final da Taça da Liga e lá vai o Benfica a Coimbra fazer o frete de participar na festa do Gil Vicente – não estou a ser irónico, o que leio aponta invariavelmente nesse sentido e, a verdade mesmo, é que eu próprio continuo indeciso entre as duas humilhações: ganhar a Taça? Perder a Taça? A propósito, no outro dia pensei na quantidade de finais da Taça da Liga que o Benfica disputou e na quantidade de finais de competições a sério a que o Benfica invariavelmente não chegou. E tenho uma pequena e, talvez, engraçada teoria, uma coisa muito simples, quase um trocadilho: há quem defenda que, «numa final, tudo pode acontecer»; José Mourinho discorda: «as finais não se jogam, ganham-se»; Jorge Jesus é mais pragmático: «as finais não se jogam». Ponto.

terça-feira, 10 de abril de 2012

Foi um prazer, Jorge

"Eu sou do Sporting mas tu gostas de mim que eu sei". A mensagem, tão simples, iluminou-me o espírito, fez-me sorrir com aquela felicidade torta que desponta do meio da tragédia; acabei a cerveja e fui para casa jantar. A coisa mais preciosa que tenho na vida é uma sportinguista incrivelmente bonita que me sabe mimar nestes momentos de tristeza.

Hoje acordei sem angústias, senti apenas uma melancolia cristalizada. O choque de perder tudo quando menos se espera teria sido muito menos triste do que esta confirmação do desenlace dramático por que aguardávamos. Estava à espera de acontecer e aconteceu.

É o fim de uma era. Já aqui escrevi acerca do estranho sentimento que fui desenvolvendo por Jorge Jesus. Mas não creio que haja mais tolerância. São demasiados erros que se repetem, teimosias que não se debelam. Esperamos sempre que evolua, que aprenda. E nada. Acaba por acontecer o de sempre. Como um amigo ontem dizia, "a gente chama-lhe Jesus, mas ele é Jorge e não passa de Jorge".

Resta-nos a Taça da Liga e já não sei o que será mais humilhante, se ganhá-la, se perdê-la. Assumir uma vitória com um troféu de mísera consolação depois de ter perdido um campeonato ganho, ter sido eliminado por um Chelsea perfeitamente banal e não ter, uma vez mais, chegado ao Jamor é quase tão mau quanto festejar efusivamente uma vitória que consolida o quarto lugar no campeonato.

Há contornos maliciosos neste desfecho. Se, no ano passado, o Porto veio festejar à Luz, este ano conseguiu fazer pior: deixou a tarefa da nossa humilhação ao cuidado de um empreiteiro menor e nem se dignou a marcar presença. Fomos vencidos com desprezo.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

A estranha placidez

Eu acho que eles já não querem saber do assunto da maneira que dantes queriam - a não ser que ganhem, circunstância que faz valer tudo. Mas tem havido um sossego que eu acho estranho. É um Sporting - Benfica, caramba! Não há fanfarrões, previsões, ameaças de humilhações ou vencedores antecipados? Quem nos visse, acharia que somos civilizados.

Aqui por baixo, o barbeiro, sportinguista daqueles que não valem grande coisa e que intimida mais pelo pequenez do que pelo talento ou pelo amor ao clube, tem sido um ponto de encontro. É a tradição. Mas não se ouviu a tarde toda um único "levas poucas logo!" ou um "menos que cinco é empate!". Há aqui uma contenção perigosamente próxima do aborrecimento e do tédio.

Confesso que também eu não esto vibrante como deveria estar. Há uns nervinhos, uma agitação ligeira, coisa leve. E isso também é estranho porque, se para o Sporting o jogo vale pouco (pouco na medida em que um derby possa valer pouco...), para o Benfica é tão somente o jogo que vale tudo. Ou nada. Chateia-me esta descontracção. Gostava de estar mais ansioso, com mais sentimento. Mas não, estou a deixar o tempo escoar-se placidamente até que o apito soe.

A estranheza transforma-se aos poucos numa preocupação que não agita. É uma preocupação conformada. Penso se isto não será pressentimento de... É melhor nem falar disso. Mas depois de dois anos a sentir alegrias imediatamente recicladas em depressões, não há garra para muito mais. Em Londres, o que poderia ter sido uma vitória à rasquinha, acabou por ser uma derrota heróica, por exemplo. Não me levem a mal, mas entre uma e outra, dispenso o heroísmo da questão.

Para logo que os rapazes se deixem de sofrimentos, que joguem como sabem e podem. Pensando bem no assunto, é óbvio que temos equipa para eles. Faltam duas horas e meia para me darem razão ou para que a caixa de comentários se encha com mimos. Agora, sim: começo a sentir o gostinho de um derby.

domingo, 8 de abril de 2012

Constatação do óbvio por motivos de incredulidade

O Cristiano Ronaldo tem 49 golos marcados esta época em todas as competições. 37 deles para o campeonato. Cristiano Ronaldo é o futebolista para quem o destino foi mais padrasto e cruel em toda a história do futebol. Nasceu atleticamente perfeito, tecnicamente sobredotado, mentalmente ideal. Nasceu, portanto, com tudo o que qualquer jogador sonharia ter para poder aspirar a ser o melhor do mundo de todos os tempos, superando até as velhas lendas de Pelé e de Maradona. 49 golos numa época é um atentado, é uma ofensa. E, de ano para ano, Cristiano Ronaldo aumenta a contagem, bate os seus próprios recordes. E isso dá-me pena, porque é um talento que nunca chega. Há muita maldade num destino que castiga o jogador mais perfeito de toda a história fazendo-o coexistir com aquela coisa minúscula, aquele ser obscena e insuperavelmente genial. Não me conformo. O Messi marcou ontem o 60.º golo esta época. É tremendo, é assustador.

Composição com vegetais em Alfama

Gosto de abrir as portadas e observar as propriedades, contemplar as árvores de fruto, inspeccionar os terrenos, tomar o pulso aos campos.

sábado, 7 de abril de 2012

Um blogue de bola, mesmo

Ontem recebi, pela primeira vez desde que vivo nesta casa, um grande amigo meu, uma pessoa muito sportinguista. Não tenho pena dele. Mostrei-lhe as minhas propriedades, os meus microfúndios, repletos de piripiris e coentros, mas creio que não os viu bem, pois já era de noite e não tenho luz na varanda. Um dia destes tiro umas fotografias (aparte: se eu mandasse na língua portuguesa, “fotografia” passaria a ser escrita “fetugrafia”; é um preciosismo disparatado, talvez, mas sabe-me muito melhor pronunciar assim a palavra: fe-tu-grafia) e publico-as aqui para que possam apreciar o esplendor da brigada vegetal que eu coordeno com notável talento e, vá lá, alguma sorte.

Quando descemos para tomar um café, que afinal foi cerveja, fomos continuando – não foi bem continuando, foi antes prolongado, porque não havia grande continuidade; o que existiu foi uma sucessão, não uma continuação – a conversa, que era como uma árvore exótica de pensamentos, ideias, interrupções e mudanças de rumo, despontando a partir de um tronco, que seria provavelmente a língua portuguesa e a nossa amizade, em ramos das mais variadas espécies e feitios, vigorosamente e sem regras, sem leis e sem preocupações. É um encanto poder-se conversar divergindo, divagando, perdendo-nos sabe-se lá onde, no meio de pensamentos que não levam a lado algum e cuja beleza e encanto residem precisamente nessa falta de destino, nesse desprendimento pelo objectivo, nesse ingénuo mas convicto desapego pela conclusão.

Nós, eu e ele, quando conversamos não o fazemos para ter razão, provar que temos razão ou aprender qualquer coisa que nos permita, um dia, vir a ter razão. Nada disso. Ter razão é uma coisa absolutamente sobrevalorizada. Prefiro mil vezes ter ideias, mesmo que não me sirvam para nada. Ter razão é uma coisa aborrecida e estática porque culmina imediatamente ali: pois, tens razão. Uma chatice, no fundo. Ter pensamentos desordenados é muito mais divertido e, creio, enriquecedor, porque é uma espécie de mundo de fantasia no qual, magicamente, as coisas não existem porque têm uma função – não, existem porque existem e isso é bom só por si. No fundo é como tudo o resto. Passamos a vida a pensar “existimos porquê?” e parece-me uma questão disparatada e de interesse menor para a qual a resposta é a mais simples de todas: “ora essa, por que não haveríamos de existir?” e sinto-me plenamente satisfeito com esta inversão do raciocínio, bem mais optimista e bem menos quezilenta para com este nosso querido universo que nos pôs a existir.

Falámos, a dada altura, de futebol. E eu gosto muito quando falamos de futebol. É como se falássemos de finanças e eu defendesse a libra e ele o dólar. A libra é a minha preferida, é mais bonita e tal. Na verdade, nenhum de nós percebe patavina de finanças, como, aliás, o extracto de conta de cada um pode facilmente atestar. Com o futebol sucede o mesmo – com o futebol e com quase todos os outros assuntos, já que temos uma extraordinária capacidade para dizer coisas e pensar coisas abdicando, logo à partida, de detalhes insignificantes como “estar correcto”. Mas no futebol as conversas tornam-se particularmente agradáveis, pelo menos para mim, porque me sinto uma criança a dissertar sobre a conquista espacial: é um assunto deveras fascinante acerca do qual nos é permitido fantasiar abundantemente.

Perguntei-lhe então se ele conhecia este meu blogue e ele respondeu «não leio blogues de bola». Nesse momento, houve um misto de sensações: por um lado, tive pena que ele não me lesse; por outro, senti um imenso orgulho na classificação “blogue de bola” que ele atribui a este humilde canto da blogosfera. Penso que foi a primeira vez que tal aconteceu em mais de um ano de existência. É como se, até que enfim, este 227218 fosse “um blogue de bola, oficialmente”. Obrigado Zé.

sexta-feira, 6 de abril de 2012

O ranking

Se o meu clube tivesse acabado de se apurar para uma meia-final europeia, eu teria ido festejar o assunto como um homem: com muita cerveja. Até cair de cu. Aliás, não foi o meu clube que se apurou para uma meia-final europeia, eu não estava a festejar coisa alguma, e, mesmo assim, usei as mesmas ferramentas com o mesmo propósito – há coisas que são incontornáveis numa véspera de feriado – mais: véspera de um feriado em que vim trabalhar. Uma pessoa até bebe para esquecer. Mas não era disso que eu queria falar. Era de festejos.

Há pessoal que não merece o clube que tem. Não é o caso dos sportinguistas. Todos os sportinguistas merecem absolutamente ser do Sporting. É uma espécie de castigo. Mas há sportinguistas que não merecem a sorte que têm. Ontem à noite, em duas ocasiões diferentes, enquanto eu não festejava mas bebia, vieram-me com a seguinte conversa: «blablabla blablabla e, sobretudo, isto é bom para o ranking!». Só me ocorreu um valentíssimo «opá, vai-te foder!», como é evidente.

Eu acho esta merda grave. Para já, pelo toque de piedade. É aquele nojinho escondido, cheio de vontade de me esfregar a puta da vitoriazinha na cara, mas tudo meio acobardado, meio hesitante, meio envergonhado, tímido, encolhido, pequenino, como quem diz «pronto, nós passámos, vocês não, mas anima-te: isto é bom para o ranking de Portugal» e me afagassem a cabeça, para me animar. Acreditem, dispenso esse lado hipocritamente compassivo, metam a puta da simpatia conveniente no cu – prefiro mil vezes um bom «incha, caralho! Passámos e vocês não! Cabeçudos!». A franqueza agrada-me muito mais do que a conversa de merda.

Já hão-de ter notado o excesso vernacular por todo o texto. Mero acaso? Inveja dos sportinguistas? Foda-se, era o que me faltava…Nada disso: é fim-de-semana santo e eu trabalho todo o santo fim-de-semana, de hoje até domingo. Assim mesmo, puta que pariu. No meu lugar escreviam o quê? Notas de agradecimento? Postais de boas festas? Caralho, pá. Vocês à mesa com borreguinhos no forno, amêndoas e leitões e eu sozinho no trabalho, sozinho em casa, sozinho na puta da vida a comer pizzas do Pingo Doce. Querem que fale com bons modos? Voltem segunda-feira, que já estarei de folga. Até lá, não respondo pelo meu discurso.

O cabrão do ranking… Epá, isto é ofensivo. O desgraçado do Patrício, um autêntico santo aquele homem, a defender penalties e o caralho e aqueles paneleiros a falar-me do ranking. Haja decência, pá. Mas qual ranking… A mim, apanhavam-me numa valeta a caminho do aeroporto, num estado de deprimente – porém muito feliz – degradação. Mas, não «ah, o ranking, que bom que é para o nosso ranking». Mas estão a gozar comigo? O ranking?!

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Notas breves que eu tiro ao acaso, distraidamente #2

A solução para a lateral esquerda esteve sempre ali, debaixo dos nossos narizes, das nossas barbas e das nossas cabeças cheias de opiniões. Nunca passou por ser Emerson OU Capdevilla; claramente, é Emerson E Capdevilla. Tão simples.

Notas breves que eu tiro ao acaso, distraidamente

Ora, Fernando Torres. O El Niño tem qualquer coisa de Chrtistian Bale. Naquele rosto, alguns traços, qualquer coisa me faz lembrar o actor. Futebolisticamente, acho-o muito, mas mesmo muito parecido com Hélder Postiga. Só que em insultuosamente caro.

Mais que um clube

O Benfica é mais, muito mais, que um clube. Ao contrário do Chelsea, que pode até um dia voltar a ser um clube mas que hoje não passa de uma exótica empresa de entretenimento de um magnata russo. O Chelsea é menos que um clube.

Eu vi o Ramires tirar uma bola de golo em cima da da linha de baliza. O Ramires tem mais que um clube. Ainda tem pedaços de Benfica nos afectos, apesar da espécie de clube que lhe paga. Ramires não fez de propósito. Mas não conseguiu fazer melhor, vacilou.

Eu vi o Raul Meireles fazer um golo e uma festa como se tivesse marcado pelo Porto, que é o seu clube. Porque à sua frente tinha o Benfica, o arqui-rival, a Nemésis. Isto é ser mais que um clube.

Fraco consolo, pois claro, vitória de pobre. Mais do que de um clube específico, é tradição muito nossa, muito portuguesa, a de encontrar pequenos feitos e vitórias onde os outros vêem objectivamente uma derrota, uma perda.

Eu só tenho um clube. Mas desta vez vou puxar pelo Barcelona. Que ganhem por muitos, por dezassete, por vinte e dois, por quarenta e oito. Tanto me faz, desde que seja por muitos.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A insustentável certeza do ser

Numa conversa de Benfiquistas, debatíamos as aterradoras possibilidades para a constituição da defesa para o jogo de logo. Maxi, Javi, Matic e Emerson? Maxi, Javi, Emerson e Capdevilla? Maxi, Witsel, Javi e Capdevilla? Maxi, Cardozo, Capdevilla e Rui Costa? Falávamos de todas estas possibilidades medonhas, partindo sempre do pressuposto de que Luisão não joga – atente-se que a possibilidade de Luisão jogar também não torna o panorama assim tão mais animador. A certo ponto da conversa, apercebemo-nos que atirávamos estas possibilidades e estes factos para a discussão como quem dá rebuçados pelo Pão Por Deus: sem grande ralação, como se nada fosse.

É notável como o futebol traduz e desmonta tão fielmente as barreiras ilusórias que a realidade supostamente nos impõe ou a pretensa inexorabilidade das verdades intransponíveis que nos bloqueiam. A realidade, não existindo em si mas sendo, antes de mais, a perspectiva individual de uma determinada existência, num determinado momento (e só mais tarde o somatório medianizado das várias perspectivas, excluindo-se as anormais ou divergentes, estabelece uma convenção: “a” realidade), é claramente ilusória. Já a verdade é um assunto muito sobrevalorizado, mais que não seja pelo seu carácter volátil e mutável. E qualquer fanático do futebol sabe disto, por mais que nunca tenha pensado no assunto.

«Estranhamente, nada disso me preocupa», acabei por confessar, a certo ponto da conversa. «Tenho uma sensação difícil de explicar, qualquer coisa que me diz ‘epá, tá-se bem, isto vai tudo correr na maior das calmas’, não sei porquê… já estou assim há uns dias». Não estou a inventar. Sim, perdemos um a zero em casa, eu sei que a nossa vantagem não é assim tããããão grande. E sim, eles têm um bom plantel. Caríssimo. E jogam à italiana. E nós temos o Jesus e não temos defesas-centrais. Mas não é caso para entrar em pânico. Os jogadores deles são melhores que os nossos? É possível, sim, já me ocorreu que assim seja. E, ok, serão 22 a 28 pessoas, muitíssimo bem pagas pelos seus serviços, a disputar uma partida de futebol da qual eu disto cerca de 2 mil quilómetros. Mas algo me diz que eu consigo ganhar a eliminatória. Pronto.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Um brinde com tequilla estragada!

A azáfama impede-me de escrever como gostaria. O fim-de-semana foi vivido com muita urgência, muitas pressas, muitos quilómetros, muita música e quase nada de futebol. Aproveitei um momento antes de subir ao palco para perguntar a um segurança «quanto é que está?» e estava zero a zero. A actuação seria supostamente curta, mas pareceu demasiadamente longa. Se a música não me dava nervos, a incerteza e a esperança também não me davam tréguas. É difícil concentrar-me em qualquer outra coisa quando o Benfica em campo e eu estou distante e ignorante.

Chegado ao fim, perguntei ao programador «quanto é que está?» e ele «um a zero, cabrões do Benfica marcaram agora mesmo de penalty». «Foi o Cardozo?», «Sei lá, não quero saber desses gajos». «E quanto tempo é que falta?», faltavam uns dez minutos, mas com maus modos. Arrumei cabos e papéis, fiz um cigarro. À porta, sozinho, tentava perceber por alguma conversa se o jogo já tinha terminado. Três rapazes, um deles rigorosamente equipado com o fato-de-treino do Porto, falavam do jogo. «Com o empate, ficamos em primeiro e o Braga em segundo». Batia certo, mas não tanto quantas as contas que faziam aos pontos, demasiado complexas quando se pensa em 'perder pontos' e não em 'ganhar apenas um ponto'.

Fui beber uma cerveja com as senhas que restavam. Entretanto, o telefone já tinha bateria suficiente. Liguei-o. Uma mensagem do Alberto Felizberto Roberto Norberto «Não é vergonha chorar pelo nosso grande amor» e eu opá, foda-se!, outra vez?. Arrumámos o que faltava, íamos só a casa deixar as coisas e depois apanhávamos um táxi para os Poveiros, tocavam lá os Irmãos Catita. No carro, abri o site da Bola "Benfica ganha com golo de Bruno César nos descontos". Não há palavras para descrever a minha reacção à melhor notícia da noite. Em vez de ficar exultante, senti que o cosmos me tinha obrigado a ser solidário com os meus Benfiquistas e senti-me feliz com isso, como se tudo estivesse em paz, como se também eu tivesse feito por merecer aquela vitória, com o meu sofrimento, com a minha angústia, diferente da dos outros, mas igualmente dolorosa. Foi uma sensação boa. Como se tudo naquele preciso momento fosse absolutamente justo neste universo.

Respondi então ao Humberto Gilberto «&/%#%&%& %&$)(/&% $"/&%%&)/(&$%#"%&#" $##$$#, ganda abraço, meu irmão!» e ele devolveu o abraço, mas com menos vernáculo. Não lhe levei a mal. Quem chora pelo seu amor tem direito a tudo.

O taxista estava visivelmente incomodado com a vitória do Benfica, «é que ainda por cima o penalty é mesmo penalty». Na Cedofeita, um carro entra na faixa contrária e fica em contramão no sinal vermelho. O taxista aproveita para descomprimir «foda-se, a tequilla estava estragada, é? Olha que o Benfica ganhou mas ainda não é campeão». Reagi sorrindo com aquela ingénua e dorida presunção de que tudo o que havia de errado no mundo teria de ser do Benfica. Ao passar o viaduto de Santo Ildefonso, um daqueles placards electrónicos anunciava, em notícias que iam passando, «19ºC - César vence guerreiros» e não quis ver mais nada, estava tudo certo.